por Eloá Muniz
A condição que a televisão tem de comunicar-se pela imagem e de conviver com as pessoas na intimidade de suas casas torna-a um veículo com força de comunicação muito mais através do emocional e do afetivo do que pelo racional. Esta característica facilita o desencadeamento dos processos psicológicos da projeção e da identificação.
O ato de ver televisão é um ritual já tão assimilado culturalmente pela família brasileira, que um novo padrão de comportamento foi criado e desenvolvido a partir do hábito cotidiano de reunirem-se para assistir televisão. Este comportamento da família que se emociona diante da telinha, abrange todas as classes sociais, é um fenômeno que atinge pela emoção, pela vivência dos dramas, mobilizando os membros da família pela identificação da realidade que cada um deles tem escondida intimamente com a realidade mostrada na televisão.
A telenovela herdou um procedimento característico do melodrama que é a cumplicidade, onde o suspense era criado a partir das informações que o espectador tinha da trama da história e que os personagens envolvidos na situação não conheciam. Assim, os segredos das personagens exerciam sob o espectador um forte fascínio. Da mesma forma o telespectador de novelas detém informações e interage com um mundo de fantasias e de poderes fictícios.
A televisão trabalha com dois sistemas básicos de comunicação que passam para sua linguagem os fatos da realidade que pretende transmitir. São os signos e os clichês.
O signo atua em dois lados: na cabeça do telespectador e no produto de comunicação que o telespectador vê, pois o produto é realizado por pessoas que também elaboram os pensamentos como signos. A produção sígnica só tem efeito se realiza essa dualidade de forma plena.
O Clichê é o segundo mecanismo básico da linguagem da televisão. Contrariamente ao signo, em que o telespectador não sente violência das mensagens televisivas porque mantém um escudo contra elas, aqui, ele se entrega à estória, sente emoção, se entristece, chora, sente saudade, vive com a personagem. Ou seja, se na linguagem dos signos ele se separa da emoção, na linguagem dos clichês ele se funde com ela, se entrega a ela. O que distingue essa fusão dos sentimentos reais, das emoções verdadeiras, é seu caráter de clichês, que significa que as tristezas, as dores, as lágrimas relembram inconscientemente ao telespectador momentos emocionalmente fortes de sua vida.
A televisão é ligada sempre a mesma hora, para se assistir aos mesmos gêneros de programas. Ela coloca ordem na vida das pessoas. Uma ordem verticalizada que passa a sincronizar o tempo do telespectador e sua vida passa a ser ordenada simbolicamente pelo veículo. A novela faz parte deste processo de ordenação, quando se apresenta ao público de forma seriada criando um espetáculo polissêmico a cada dia e a cada capítulo. Neste sentido o processo ritual é o encadeamento de discursos e gestos facilmente reconhecidos pelo público que desenrolam num espaço e numa temporalidade próprios distintos, portanto, dos espaços e dos momentos da vida quotidiana.
Mostram o digno e o indigno de imitação, tudo mesclado, de forma esboçada e ambígua, porém sinalizando sempre a significação. A significação do símbolo é o significado. Não dizem o que devem ou não fazer, porém reproduzem o que é feito e pensado, e só a repetição sugere que poderia tratar-se de algo que é correto fazer. A vinculação do orgânico e a ordem sócio-moral se realizam também aqui mediante a ritualização.
Neste aspecto, há que entender como equivalentes à simultaneidade de informações sensacionalistas e a transformação do passado na televisão. A insegurança que resulta de exposição acumulada de delitos através da mídia, desde jornal até o filme policial televisivo, e cuja finalidade é assegurar ao cidadão seus contornos, induz que ele busque segurança em seu passado mítico. O mito, para explicar o presente partindo de um passado, tem acontecido sempre e em todas as épocas, conecta com as experiências primárias sobre o acima e abaixo, dentro e fora, claro e escuro, e opera com ele, como algo viável e estabilizado.
A telenovela, tal como o melodrama, funciona como uma catarse social que substitui a contestação e a reflexão pela anestesia e fascínio que a televisão provoca através da sedução pela imagem esteticamente composta e ritualizada. Assim, a novela elabora uma nova ordem simbólica e apropria-se do tempo e do espaço do telespectador, criando em sua vida quotidiana um vínculo e uma relação comunicacional com o veículo televisão.
O prazer de ser o outro e por alguns momentos ter a ilusão do poder. A novela cria a ilusão e possibilita ao telespectador fundir-se com o personagem e experimentar outra identidade. Tal como os jogos de mimicry, a novela não tem compromisso com a verdade, mas com a verossimilhança, o fingir perfeito. O espelho da realidade, a história contada através dos personagens filtrados pela imagem icônica.
A ritualização, a ordem simbólica estabelecida e a rede fascinam cada vez mais a pessoa e a tornam sempre mais solitária, pois ela deixou de preocupar-se com seus vizinhos e seus amigos, para preocupar-se com os problemas das personagens da televisão. A relação com a televisão é mais fácil, pois ela possui o controle da ação, se estiver incomodando é só desligar. Com a relação humana é diferente, ela é real. A pessoa no mundo moderno vive uma solidão distinta – é uma solidão existencial.