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Sistema tributário brasileiro onera mais negros e mulheres, mostra estudo

setembro 24th, 2014

Wellton Máximo*

11.09.2014. Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos revela que os impostos punem mais os negros e as mulheres em relação aos brancos e aos homens Arquivo/Agência Brasil.

Caracterizado por onerar proporcionalmente os mais pobres em relação aos mais ricos, o sistema tributário brasileiro provoca um tipo mais profundo de injustiça. Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que os impostos punem mais os negros e as mulheres em relação aos brancos e aos homens.

O levantamento cruzou dados de duas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo baseou-se na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), que fornece dados sobre a renda das famílias, e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que capta informações demográficas como raça e gênero.

Segundo o levantamento, os 10% mais pobres da população comprometem 32% da renda com o pagamento de tributos. Para os 10% mais ricos, o peso dos tributos cai para 21%. A relação com o gênero e a raça aparece ao comparar a participação de cada fatia da população nessas categorias de renda.

Nos 10% mais pobres da população, 68,06% são negros e 31,94%, brancos. A faixa mais desfavorecida é composta por 45,66% de homens e 54,34% de mulheres. Nos 10% mais ricos, que pagam menos impostos proporcionalmente à renda, há 83,72% de brancos e 16,28% de negros. Nessa categoria, 62,05% são homens e 31,05%, mulheres.

“Não há dúvida de que a mulher negra é a mais punida pelo sistema tributário brasileiro, enquanto o homem branco é o mais favorecido”, diz o autor do estudo, Evilásio Salvador. Para ele, é falsa a ideia de que a tributação brasileira é neutra em relação à raça e gênero… “Como a base da pirâmide social é composta por negros e mulheres, a elevada carga tributária onera fortemente esse segmento da população”, contesta.

Historicamente, o sistema tributário brasileiro pune os mais pobres porque a maior parte da tributação incide sobre o consumo e os salários, em vez de ser cobrada com mais intensidade sobre o patrimônio e a renda do capital. Segundo o estudo, no Brasil, 55,74% das receitas de tributos vieram do consumo e 15,64% da renda do trabalho em 2011, somando 71,38%. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média está em 33%.

Os tributos sobre o consumo são regressivos do ponto de vista social por estarem embutidos nos preços dos bens e dos serviços. Dessa forma, uma mercadoria com R$ 1 de imposto embutido no preço pesa mais para as camadas de menor renda.

Para reverter à situação, Oliveira aponta a necessidade de uma reforma tributária, que amplie a tributação sobre o patrimônio e a renda do capital e desonere o consumo e a renda do trabalho. “Os mais ricos precisam ser mais tributados proporcionalmente, por meio de alíquotas progressivas, que aumentem conforme o nível de renda”, explica.

Entre as medidas sugeridas, ele defende a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas – determinadas pela Constituição, mas até hoje não cumprida – e a extensão da cobrança de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) a embarcações de luxo, como lanchas, jatos particulares, helicópteros e jet skis.

*Repórter da Agência Brasil

Mulheres negras nas eleições

setembro 24th, 2014

Jarid Arraes

Neste ano de eleição, somente 9,24% dos 25.366 candidatos e candidatas aos vários cargos políticos declaram-se como pessoas negras – é o que revela o Tribunal Superior Eleitoral, que pela primeira vez exigiu essa informação dos candidatos.

Ao fazermos um recorte de gênero, as mulheres negras são ainda menos representadas na política, um dado alarmante considerando a população autodeclarada negra no Brasil – que já passa dos 100 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE.

Para as mulheres negras, essa falta de representatividade é extremamente relevante, já que seus problemas específicos – como por exemplo, o difícil acesso ao mercado de trabalho ou o direito ao aborto legalizado – são tão esquecidos e deixados de lado. Em todas as demandas e reivindicações voltadas para as mulheres, aquelas que são negras se encontram no grupo estatístico de maior vulnerabilidade, o que também é refletido na ausência de candidatas mulheres negras: afinal, como garantir que as mulheres negras participem da política por meio de cargos e partidos quando tantos dos seus direitos mais básicos lhes são negados?

As mulheres negras compõem a maior parte das mulheres das periferias e enfrentam a maior dificuldade para estudar e trabalhar, além de serem grandes vítimas do estupro e da violência doméstica. Também são elas as mães que precisam criar seus filhos sozinhas porque não tiveram como interromper uma gravidez indesejada ou foram negligenciadas por homens irresponsáveis. E, ao final do dia, são as mulheres negras que mais fazem jornada tripla de trabalho, para cobrir a renda de seus parceiros mortos pela violência policial. Tudo isso sem mencionar que elas são maioria em trabalhos informais, como o trabalho doméstico, que carrega uma terrível marca sociocultural ainda do período da escravidão no Brasil – mesmo com a tentativa de efetivar leis trabalhistas que garantam dignidade às empregadas domésticas, a PEC 72 ainda não foi devidamente regulamentada; ou seja, essas mulheres ainda estão desamparadas.

Sob esse ótica, é de fato muito importante que as mulheres brancas lutem por mais representação e voz ativa na política brasileira; no entanto, é essencial lembrar que nem todas as mulheres são iguais e que essas diferenças podem gerar privilégios ou negligências, especialmente a depender da cor da pele. Essa polarização é feita pela própria cultura brasileira, que é racista e cria uma hierarquização entre mulheres brancas e negras. Dessa forma, uma mulher que conquiste um cargo político, mas que não se atente para as especificidades das mulheres negras, por exemplo, estará defendendo na maioria das vezes os direitos de apenas uma parcela feminina.

O Movimento Negro e muitas vertentes feministas estão conscientes dessas questões sociais e vêm lutando para trazer essas pautas ao foco, mas o problema está longe de ser resolvido. No caso das eleições presidenciais deste ano, temos três mulheres na corrida pela vitória, sendo duas delas brancas: Dilma Rousseff e Luciana Genro. Marina Silva é um marco nesse sentido, sendo a primeira mulher negra a disputar pelo cargo de presidência da república. Embora seja importante que sua realidade seja reconhecida, Marina não demonstra ter qualquer proposta em especial para resolver o problema do racismo brasileiro, muito menos voltando seu olhar para as pautas das mulheres negras como ela.

O fato é que também faltam candidatas com propostas sólidas relacionadas aos direitos das mulheres e pela luta contra o racismo, mesmo entre aquelas que conquistaram algum espaço. Representatividade importa, mas não somente a representatividade da identificação física; as mulheres negras precisam ser representadas em todos os âmbitos das lutas sociais.

Mudar essa realidade não é tão simples quanto votar em uma candidata negra, pois há várias outras barreiras impedindo o acesso dessas mulheres aos cargos administrativos no Brasil e também sufocando suas propostas, que não são bem aceitas por desafiarem o status quo. Mas é importante buscar pessoas que representem nossas ideias e estejam comprometidas com as causas pelas quais lutamos, fazendo um trabalho dentro do próprio movimento feminista para que as demandas das mulheres negras sejam atendidas.

A página no Facebook “Vote em uma Feminista” é um excelente exemplo de engajamento político, não apontando especificamente uma candidata ou partido, mas mostrando que há opções em quem votar de mulheres comprometidas com as pautas feministas – entre elas, várias candidatas negras.

No final das contas, muita luta ainda será necessária para que as mulheres negras alcancem os mesmos números e direitos que as mulheres brancas já possuem. Encarar essa realidade não cria uma cisão dentro dos movimentos de mulheres, pelo contrário, nos desperta para a realidade do machismo, que atua por meio de muitos mecanismos de exclusão. Unidas e conscientes de nossas diferenças, podemos enfrentar a misoginia e o racismo. Que nessas eleições possamos somar nossas forças para eleger mulheres diversas que tenham em comum seus projetos transformadores e fundamentalmente feministas.

 

Fonte: Lugar de Mulher 

Demanda por crédito no varejo cresce apenas entre consumidores que recebem até um salário mínimo

setembro 24th, 2014

Ana Greghi*

Nos últimos três anos, o percentual de pessoas com renda de até R$ 724,00 que procuraram por crédito no Varejo passou de 11% para 22%, sendo que nas demais faixas salariais registrou-se queda.

A desaceleração do crescimento do varejo vem apresentando quedas consecutivas desde 2010, segundo o Indicador de Atividade do Varejo da Serasa Experian. O fato e demais variações da economia brasileira explicam a crescente queda na demanda por crédito entre os consumidores que ganham entre um e dez salários mínimos, de acordo com estudo inédito da Serasa Experian. Na contramão dessa tendência, porém, estão os brasileiros que recebem até um salário mínimo mensalmente: em 2011, esses consumidores eram 11,9% do grupo de tomadores de crédito e, em 2014, representam 22,8%.

A mudança de perfil dos demandadores de crédito, apresentada pelo estudo da Serasa Experian, representa um risco real para quem empresta. “Mas os credores também podem enxergar nesse novo cenário oportunidades para desafiar o processo, fechar bons negócios e proteger também o cidadão”, lembra Guedes. “Empresas como a Serasa Experian disponibilizam uma série de estudos, sistemas e plataformas para que o crédito seja concedido de forma mais criterioso, afastando riscos, mas mantendo os bons pagadores. Os consumidores com até um salário mínimo de rendimentos são clientes em potencial e não devem ser excluídos por conta de seu holerite. As estatísticas provam que são eles é que estão aquecendo o mercado de crédito. A nova realidade requer novas ferramentas, novas políticas e modelos de gestão para manter o ciclo de negócios ativo.”

Para se ter uma ideia do que essa mudança de perfil representa para o varejo, atualmente, 74% de quem busca financiamento de eletromóveis, 66% de quem compra vestuário no crédito e 57% de quem utiliza o crédito nas compras de material de construção ganha até dois salários mínimos.

Segundo os economistas da Serasa, o novo cenário pode trazer a ameaça da inadimplência na carona, dependendo dos critérios de aprovação do crédito em cada uma das empresas, mas principalmente pelo risco do superendividamento.

O estudo comprova que justamente nos segmentos de eletromóveis e de construção a participação de consumidores de alto risco que procuraram por crédito vem aumentando. Em eletromóveis passou de 32,4%, em 2011, para 38%, em 2014, enquanto na construção subiu de 25,2%, em 2011, para 28,9%, em 2014.

Segundo os economistas, são considerados de alto risco, aqueles que apresentam uma probabilidade superior a 20% de não cumprirem seus compromissos financeiros nos primeiros quatro meses após a concessão de crédito. Em termos territoriais, o estudo aponta que 50% dos consumidores da região Norte que procuraram por crédito no Varejo são de alto risco, 44% no Nordeste, 38% no Centro Oeste, 37% no Sudeste e 36% no Sul.

Ao avaliarmos apenas os créditos concedidos no primeiro trimestre de 2014 observou-se uma alta da taxa de inadimplência em relação ao mesmo período do ano passado: 8,7% contra 6,7%. Na opinião do gerente, a predominância de consumidores de maior risco em função principalmente de uma maior exposição ao risco pode explicar o aumento. “Uma porcentagem muito grande dos proventos desses consumidores fica comprometida com dívidas, o que os coloca a um passo do endividamento”, diz. Além disso, segundo o estudo, 77% dos consumidores que buscam crédito ou serviços financiados o fazem em mais de uma empresa.

Risco real A alta porcentagem de pessoas com dívidas ativas junto a mais de uma empresa é um mal que já pode ser combatido com o cadastro positivo. Com o novo parâmetro, os concessores visualizam qual porcentagem da renda daquele cliente já está comprometida com outros financiamentos e assim conseguem tomar a melhor decisão de crédito, tanto para minimizar o próprio risco como para proteger o cidadão de entrar no labirinto do superendividamento.

Fonte: Maxpress (BR Experian)

Violência doméstica custa cerca de R$ 16 trilhões por ano, e é pior que guerras, diz estudo

setembro 23rd, 2014

09.09.2014. A violência doméstica, principalmente contra mulheres e crianças, mata muito mais que guerras e é um flagelo muitas vezes subestimado que custa à economia mundial mais de R$ 16 trilhões (U$S 8 trilhões de dólares) por ano, informaram especialistas nesta terça-feira (9).

O estudo, que seus autores dizem ter sido uma primeira tentativa de estimar os gastos globais da violência, estimulou a ONU (Organização das Nações Unidas) a prestar mais atenção aos abusos em casa, que recebem menos destaque que conflitos armados como os da Síria ou da Ucrânia.

“Para cada morte civil em um campo de batalha, nove pessoas […] são mortas em desavenças interpessoais”, escreveram Anke Hoeffler, da Universidade Oxford, e James Fearon, da Universidade Stanford, no relatório.

Das brigas domésticas às guerras, eles estimaram que em todo o mundo a violência custe cerca de R$ 20 trilhões (US$ 9,5 trilhões de dólares) por ano, sobretudo na perda da produção econômica, o que equivale a 11,2 % do Produto Interno Bruto mundial.

Nos últimos anos, cerca de 20 a 25 nações sofreram com guerras civis, o que devastou muitas economias locais e custou cerca de R$ 240 bilhões (US$ 170 bilhões) por ano. Os homicídios, a maioria de homens e não relacionados com brigas domésticas, custaram cerca de R$ 1 trilhão (US$ 650 bilhões)

Mas estas cifras se apequenam diante dos quase R$ 16 trilhões (US$ 8 trilhões) anuais do custo da violência doméstica, cuja maioria das vítimas é mulher e criança.

O estudo afirma que cerca de 290 milhões de crianças sofreram alguma forma de violência disciplinar em casa, de acordo com estimativas baseadas em dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Com base nos custos estimados, que vão de lesões a serviços de assistência infantil, o estudo calculou que o abuso não-fatal de crianças drena 1,9 % do PIB em nações ricas e até 19 % do PIB na África subsaariana, onde as modalidades severas de disciplina são comuns.

Bjorn Lomborg, chefe do Centro de Consenso de Copenhagen, que encomendou o relatório, disse que a violência doméstica é frequentemente subestimada, assim como acidentes de carro atraem menos atenção que acidentes de avião, embora muito mais pessoas morram no primeiro caso.

‘Não se trata só de dizer ‘isto é um problema sério’, disse ele à Reuters. “É uma maneira de encontrar soluções inteligentes”. O Centro emprega estudos de mais de 50 economistas, inclusive três prêmios Nobel, e procura soluções de baixo custo para combater desde a mudança climática até a malária.

O estudo pretende ajudar a ONU a selecionar metas para 2030 para alcançar os Objetivos do Milênio estabelecidos para o período 2000-2015, que incluem a redução da pobreza e a melhoria dos depósitos de água potável. Os novos objetivos poderiam incluir o fim dos espancamentos como forma socialmente aceita de disciplina infantil e a redução da violência doméstica contra mulheres.

Rodrigo Soares, professor da Escola de Economia de São Paulo-FGV, disse ser bom ressaltar o grande número de mortes causadas pela violência doméstica, embora a falta de dados faça com que seja “um pouco ambicioso demais” estimar os custos globais.

Fonte: R7

Moral conservadora equipara Brasil e Turquia

setembro 23rd, 2014

Renata Batista | Do Rio

09.09.2014. A crescente força da questão religiosa e de debates como o da união civil de homossexuais na política reflete o conservadorismo dos brasileiros. A avaliação é do Ipsos Public Affairs, instituto de pesquisa com atuação em 86 países. O Ipsos acaba de fechar um estudo de comportamento em 20 países, mas as respostas dos brasileiros foram, inicialmente, desconsideradas pelos analistas estrangeiros que consolidaram os dados globais para estudos específicos sobre a questão feminina e sobre as causas homossexuais.

“Eles acharam que tinha alguma coisa errada pois as respostas não eram consistentes com a imagem que tinham do país”, resume o diretor do Ipsos no Brasil, Dorival Mata Machado, que na época estava chegando na empresa e precisou avaliar os resultados ponto a ponto para reverter a situação.

Para Machado, as respostas também estão distantes do próprio imaginário do brasileiro, que não percebe esse viés.

“O conservadorismo moral do brasileiro está mais próximo de países percebidos internamente como mais fechados ou com forte influência religiosa, como China e Índia, do que de vizinhos da América Latina, como a Argentina”, avalia, e faz o contraponto com a imagem externa do país. “Lá fora, existe uma percepção do Brasil não tão conservador. Eles percebem que o país está crescendo, mudando, e não têm ideia de que é uma sociedade calcada em uma posição conservadora, principalmente na base da sociedade. Não conseguem entender a distância entre o Brasil novo e as posições conservadoras”.

Questionados se as mulheres devem ter os mesmos direitos e o mesmo poder dos homens, brasileiros e turcos – país de maioria muçulmana e, por isso, percebido como mais conservador – apresentaram o mesmo resultado: 80% dos entrevistados concordaram com a afirmação, o que coloca os dois países entre os quatro com menos aderência à ideia de igualdade de gênero. E um percentual maior de brasileiros do que de turcos concorda com a afirmação de que o papel das mulheres na sociedade é ser boas mães e esposas – 38% contra 36%, na Turquia.

A posição dos brasileiros em relação aos homossexuais também é bem próxima a dos turcos. Lá, 62% concordam que gays e lésbicas têm o direito de viver suas vidas como quiserem. Aqui, são 61%. Na hora de se posicionar claramente de forma contrária, porém, o brasileiro é mais cuidadoso. Apenas 28% discordam da afirmação, contra 34% na Turquia.

“Não é que estejamos ficando mais conservadores. O problema é que existe um conjunto de questões que são tabus no Brasil. Aqui, ninguém pode se declarar sem religião, por exemplo”, afirma Machado, lembrando que os candidatos se apressam a se posicionar como religiosos. Entre os entrevistados dos 20 países, os brasileiros foram os que deram mais importância para religião: 79%.

Para o diretor do Ipsos, o Brasil pode estar em transição porque o país está em um momento de olhar o mundo e ser olhado pelo mundo. Ele acha mais provável, porém, que as respostas dos brasileiros estejam relacionadas à rejeição a posições muito radicais. “O brasileiro só aceita posições radicais nas questões de violência e defesa da família. Ele é totalmente contra o aborto, mas a favor da pena de morte e da redução da maioridade penal”, resume.

Fonte: Valor Econômico

Aumento de candidatas ao Legislativo deve ser analisado sem efusividade

setembro 23rd, 2014

Céli Pinto*

Pesquisadora da UFRGS destaca que “a estrutura político-partidária ainda é fechada às mulheres”

As eleições presidenciais deste ano serão inéditas em termos de participação feminina na disputa. São três mulheres concorrendo ao mais alto cargo político do país, duas delas destacadas na dianteira das pesquisas de intenção de voto. Embora ainda longe de atingir o percentual estabelecido na legislação eleitoral, o número de candidaturas de mulheres a cargos proporcionais também cresceu de forma geral nas eleições deste ano em relação a 2010.

As mulheres nos números do TSE

De acordo com os dados disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitora (TSE), os partidos inscreveram 8.109 mulheres para os cargos eletivos em disputa – 31,01% do total das listas das agremiações. Mas já no julgamento preliminar dos registros o percentual de candidatas aptas caiu para 28,8% do total de concorrentes, somando 6.565 mulheres em 1º de setembro. Nesta data estavam pendentes de julgamento 83 pedidos de registros de mulheres. E ainda estão tramitando recursos dos partidos na Justiça Eleitoral em todo o país com prazo limite de substituição de nomes até 20 dias antes do pleito nos casos de indeferimento do registro. Isso significa que o processo eleitoral pode se encerrar com, no máximo, 6.648 candidatas, se todas as situações pendentes forem julgadas favoravelmente às postulantes. Para isso, todos os pedidos de registro ainda em análise pelo Judiciário Eleitoral teriam que ser deferidos e todas as candidaturas aptas que têm recursos pendentes de julgamento também teriam de ser consumadas.

Também com base nos dados divulgados pelo TSE, logo após o encerramento do prazo de inscrições alguns veículos de comunicação chegaram a noticiar que o crescimento das candidaturas femininas nesta eleição totalizaria 46,5% em relação ao pleito de 2010. Mas esse dado não considerou os julgamentos das inscrições. Se todas as candidaturas femininas se efetivarem daqui para a frente, o crescimento real, comparando-se os dados com a eleição passada, será de 29,8% a 31,5%, no máximo, o que explica porque o próprio Tribunal não divulgou nenhuma matéria até o momento analisando o crescimento percentual de candidatas inscritas.

O aumento das candidaturas de mulheres se deu em particular nos cargos de deputados (federal, distrital e estadual). Em relação ao Senado, há uma mulher a menos concorrendo em comparação com 2010 e, no caso das suplências daquela Casa, houve redução do número de candidatas. Em relação aos cargos de governador e vice, o número ficou estagnado. O número de candidatas à Vice-Presidência da Nação também subiu de 1 para 4.

Ainda de acordo com o TSE, o crescimento do eleitorado feminino entre 2010 e 2014 foi de 5,81% e as mulheres representam hoje 52,13% do eleitorado.

Análise dos números exige cautela

Para a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Céli Pinto, os número devem ser analisados sem efusividade. “Há sim um crescimento de mulheres com mais densidade pública e política nos partidos aparecendo nos programas eleitorais, mas, na grande maioria, esse aumento ainda mostra que as mulheres têm muito pouco espaço nas estruturas partidárias. Nos programas eleitorais você vê que tem mais mulheres aparecendo, mas algumas evidentemente são as chamadas candidaturas laranjas”, ressalta.

É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo.”

A pesquisadora e especialista no tema da participação política feminina ressalta que o modelo eleitoral em vigor no País favorece essa situação. “É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo”, afirma. Dados da pesquisa realizada em 2013 pelo Ibope em parceria com o Instituto Patrícia Galvão corroboram a opinião da professora. Segundo a pesquisa, 71% dos entrevistados consideram que a reforma política é importante ou muito importante para garantir listas paritárias de candidaturas. O estudo aponta ainda que 78% da população defende a obrigatoriedade de divisão meio a meio das listas partidárias e 73% aprovam punições às legendas que não apresentarem paridade entre os dois sexos.

Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens.”

A professora Céli Pinto ressalta os importantes avanços como a mudança da legislação em 2009, que obrigou os partidos a preencherem 30% das candidaturas com a cota de gênero e a reservar 5% dos recursos do fundo partidário para a formação de lideranças políticas mulheres, mas destaca também as contradições e o que poderia ser considerada como excessiva liberdade partidária. “Os partidos dão os 5% e não investem os outros 95%. Concentram verbas e estrutura para as mulheres capazes de se eleger porque já são campeãs de votos”, afirma. E prossegue mencionando um dado desanimador. “Estou fazendo um estudo que mostra que as candidaturas de todos os partidos brasileiros podem ser divididas em três blocos: os candidatos que vão ganhar, as lideranças sociais muito importantes e que têm boa votação mas dificilmente se elegem e as candidaturas laranjas. E a participação de mulheres nesses três blocos é inversamente proporcional”, alerta.

Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens”, conclui a pesquisadora.

O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária

Céli Pinto comentou ainda estudo que realizou para verificar a quantidade de mulheres que alçaram a cargos eletivos em todos níveis disputados no período de 1950 a 2010. Apenas 595 foram eleitas e somente 73 foram reeleitas duas vezes, de acordo com o levantamento.

O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária, na opinião da especialista. “Basta ver o que fizeram com a Dilma no programa de apresentação da candidatura. Uma mulher que foi guerrilheira, ministra, é presidente há quatro anos, inaugura obras por todo o País e a colocam cozinhando massa no programa eleitoral. Assim é a cabeça dos partidos e do pessoal da propaganda”, desabafa. Uma rápida análise pelas propagandas eleitorais na TV e no rádio reforça a tese. A maioria absoluta das candidatas e candidatos, majoritários e proporcionais, se apresenta como mulheres e homens “de família” ou “defensores da família”.

A importância da atuação feminista na política

Céli ressalta ainda que, muitas vezes, para conseguir espaço nos partidos e buscar um mandato, as mulheres se adequam à lógica vigente. “As únicas mulheres que se destacaram no parlamento pelo recorte feminista são a Marta Suplicy e a Eva Blay”. A petista Marta foi deputada, senadora e hoje é ministra da Cultura. Eva foi suplente de senadora na eleição de Fernando Henrique Cardoso, assumindo o cargo entre 1992 e 1995.

A professora aponta também que a maioria das mulheres parlamentares ainda têm em geral uma trajetória partidária muito similar à dos homens nas estruturas partidárias ou se adequam a elas, assumindo cargos nas comissões mais identificadas como “femininas” – como Educação, Saúde e Seguridade. Ou até fazem mandatos politicamente marcantes, mas raramente identificados como um mandato feminista. Esse é mais um dos desafios colocados na opinião da pesquisadora.

* Cientista política, docente e pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS

Mulheres dedicam o dobro do tempo dos homens no cuidado com os idosos da família, revela estudo da Universidade de Princeton

setembro 23rd, 2014

Antonella Zugliani

(O Globo, 22/08/2014) Regina Sardenderg, de 60 anos, mora na mesma rua que a mãe. Todos os dias, à tarde, ela caminha um quarteirão para encontrar Odila Ribas Costa, de 88 anos, portadora de Alzheimer. Apesar de Odila ter a ajuda de duas cuidadoras, uma empregada e de eventuais visitas de um médico, sua filha afirma que toma conta “da casa e da vida” da mãe. Ela é apenas um caso que ilustra o novo estudo da Universidade de Princeton, em Nova Jersey, segundo o qual as mulheres cuidam bem melhor de seus pais idosos do que os homens.

A pesquisa revelou que as filhas parecem dar bastante atenção aos pais na terceira idade, enquanto os filhos contribuem o mínimo possível. Por mês, as mulheres dedicam 12,3 horas para cuidar dos pais idosos, em comparação às 5,6 horas dos filhos, de acordo com o levantamento. Ou seja, o dobro do tempo ou quase sete horas a mais a cada mês.

O estudo revelou uma diferença impressionante de tempo dispensado por homens e mulheres aos pais idosos em comparação com outras formas de trabalho doméstico, como arrumar a casa ou cuidar de uma criança – afirmou a responsável pelo estudo, Angelina Grigoryeva.

Filhos reduzem esforços

Os dados coletados são baseados no Estudo de Saúde e Aposentadoria de 2004 da Universidade de Michigan, uma amostra nacional realizada a cada dois anos com 26 mil americanos acima de 50 anos. O estudo foi replicado no levantamento de 2010 e o resultado foi bem similar, segundo Angelina.

Em famílias compostas por irmãos de ambos os sexos, a pesquisa indicou que os filhos reduzem seus esforços de cuidados com os pais quando têm uma irmã, enquanto as filhas aumentam os seus quando têm um irmão.

Aposentada há cinco anos, Regina realiza junto com o marido Hugo tarefas como fazer as compras para a casa de sua mãe, apesar de ter um irmão.

– Ele mora longe, fica mais difícil vir visitar – conta.

Comentando a pesquisa, Regina diz que a tendência ocorre por uma questão cultural, já que as mulheres são, desde pequenas, induzidas a cuidar dos outros – com as bonecas, por exemplo.

– Tenho uma filha de 25 anos que ainda mora comigo. Acredito, sim, que ela vá cuidar de mim quando eu for mais velhinha – brincou.

Para Marcus von Seehausen, secretário estadual de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, o que acontece em linhas gerais é que cuida do idoso aquele que está mais disponível.

– Assim, vemos muitas filhas, muitas noras, muitas tias, muitas primas indo com os idosos nos bailes da terceira idade que promovemos, por exemplo – diz.

Angelina relata, ainda, que as pessoas que se dispõem a cuidar de seus parentes idosos muitas vezes têm que equilibrar essa responsabilidade com seus empregos, o que potencialmente resulta em sacrifícios de carreira e salários mais baixos. Por isso, a psicóloga e mestre em geriatria e gerontologia Simone Burmeister considera que cuidar dos pais deve ser uma tarefa em que ambos os sexos se envolvam igualmente.

É necessário paciência; então, dividir as funções é extremamente importante para não haver uma sobrecarga. A mulher acaba tendo que cuidar dos filhos, dos netos, dos maridos e de seus pais – pondera.

A psicóloga lembrou que outras pesquisas já apontaram que mulheres estão sofrendo mais de depressão, além de estarem sendo cada vez mais diagnosticadas com problemas cardíacos.

Desigualdade – Pessoas sem casa, casas sem pessoas

setembro 23rd, 2014

Marcos Rogério Sampaio*

Os primeiros dados do Censo divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de domicílios vagos no país é maior que o déficit habitacional brasileiro.

Existem hoje no Brasil, segundo o censo, pouco mais de 6,07 milhões de domicílios vagos, incluindo os que estão em construção. O número não leva em conta as moradias de ocupação ocasional (de veraneio, por exemplo) nem casas cujos moradores estavam temporariamente ausentes durante a pesquisa. Mesmo assim, essa quantidade supera em cerca de 200 mil o número de habitações que precisariam ser construídas para que todas as famílias brasileiras vivessem em locais considerados adequados: 5,8 milhões.

O Brasil possui cerca de 33 milhões de pessoas sem moradia, segundo o relatório lançado  pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. Desse número, cerca de 24 milhões que não possuem habitação adequada ou não têm onde morar, vivam nos grandes centros urbanos.

O déficit de moradia no país chega hoje a 7,7 milhões, das quais 5,5 milhões estão em centros urbanos. Se o cálculo incluir moradias inadequadas (sem infra-estrutura básica), o número chega a uma faixa de 12,7 a 13 milhões de habitações, com 92% do déficit concentrado nas populações mais pobres.

A população favelada no Brasil aumentou 42% nos últimos 15 anos e alcança quase 11 milhões de pessoas, segundo análise do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE.

Um total de 11.425.644 de pessoas – o equivalente a 6% da população do país, ou pouco mais de uma população inteira de Portugal ou mais de três vezes a do Uruguai. Esse é o total de quem vive, atualmente, no Brasil em aglomerados subnormais, nome técnico dado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com base nos vários itens de monitoramento das condições de moradia, que levam em conta, por exemplo, o acesso a serviços de saneamento, o material de construção usado e até o número de pessoas que dormem por cômodo, o Ipea concluiu que 54,6 milhões pessoas nas cidades vivem em situação inadequada. Isso equivale a 34,5% da população urbana.

E um estudo do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, em 2000, mostrava, na América Latina, déficit de 51 milhões de moradias.

* Diretor da Granmarcos e colaborador do Portal Planeta Voluntários 

Ranking IDH: Brasil precisa avançar na participação feminina na política

setembro 15th, 2014

(Correio Braziliense, 24/07/2014) Os dados do PNUD mostram que o Brasil conseguiu avançar em termos de igualdade de gênero. O Índice de Desenvolvimento de Gênero ficou em 0,441 levando o Brasil a ocupar a 85ª posição entre 149 países, a frente de Colômbia e atrás de México. No relatório, o PNUD afirma que uma maior igualdade entre homens e mulheres está associado a um melhor desenvolvimento. Embora o Brasil tenha avançado nesse aspecto, ainda há desafio pela frente.

Na avaliação de Jorge Chediek, coordenador-residente do Sistema Nações Unidas no Brasil e representante-residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil precisa avançar no ponto da participação feminina na política. “Os indicadores de participação política que poderiam ser bem melhores. Temos uma presidenta mulher, o que é extraordinário, mas a participação a cargos eletivos, como prefeito, governador é menor do que gostaríamos que fosse, e do que é em outros países”, avaliou.

A média de presença feminina nos parlamentos no mundo gira em 22%, segundo dados do Inter-Parliamentary Union (IPU), enquanto no Brasil, ela é inferior a 10%. Na América Latina, por exemplo, apenas o Haiti e Panamá têm menos mulheres nos órgãos equivalentes à Câmara dos Deputados do que o Brasil.

Fora do aspecto político, entretanto, Chediek, valoriza no Brasil as políticas voltadas às mulheres. “Em termos de outras dimensões de gênero, reconhecemos como muito positivo o fato de muitos dos programas sociais brasileiros estarem dirigidos a mulheres (…) Ajudam o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, então estamos com uma tendência de melhoria dos indicadores de empoderamento econômico”, diz.

Maria de Lurdes, 31 anos, é um exemplo de empoderamento feminino. Ela começou como repositora em uma rede de supermercados, passou por ajudante de manutenção, assistente de almoxarifado, caixa, e após oito anos, tornou-se gerente de uma das unidades. Durante o período que esteve no cargo de chefia, ouviu por trás das gôndolas funcionários dizendo: “Como ela chegou aí? Deve ter um caso com alguém”. Teve que se acostumar com as provocações. “Parece que liderar não é tarefa de uma mulher negra”, pontua.

 Saiu do emprego após trabalhar pelo terceiro domingo de páscoa seguido. “Não tinha tempo para cuidar das minhas filhas, não era vida”. Hoje, é gerente de uma loja de bijuterias na Rodoviária de Brasília, onde tem quatro funcionárias sob sua responsabilidade. Diz que o principal fator para continuar no atual emprego é a flexibilidade de horários, mas que é mais fácil para uma mulher liderar uma loja de artigos femininos. “No supermercado eu era questionada, como se não tivesse preparo para dar ordens. Diminuiu, mas ainda existe muito preconceito”, disse, enquanto encarava uma atendente que falava ao celular durante o serviço.

 

De quem sou filho?

setembro 15th, 2014

Maria Berenice Dias*


09.08.2013. Ao menos até o atual estágio da ciência genética, todas as pessoas são filhas de uma mulher. Todos são gerados no ventre de uma pessoa do sexo feminino. Esta sempre foi uma verdade tão evidente que é latina a expressão: mater semper certa est. A mãe é sempre certa.

Quanto à paternidade, a verdade nunca foi tão evidente, ou melhor, tão aparente. Mas a necessidade de se certeza do vínculo de filiação paterna impôs uma série de pressuposições de modo a chegar-se a uma presunção. Para dizer que o pai sempre é o marido da mãe, foi preciso fazer as mulheres acreditarem que a virgindade tinha valor. Ou seja, manter íntegro o hímen lhe garantia a condição de pessoa séria e honesta. Pureza, castidade e recato davam às jovens a garantia de que iriam conseguir subir ao altar. Sempre foi este o dado que as diferenciava das chamadas mulheres de “vida fácil”. Qualidade que nunca ninguém conseguiu entender muito o porquê.  A tarefa delas, aliás, sempre foi das mais áridas: assegurar prazer sexual sem qualquer contrapartida, a não ser de natureza financeira.

Mas certamente pagavam um preço muito caro: viver à margem da sociedade. Recebiam toda a sorte de adjetivações para lá de desrespeitosas e, claro, não tinham o direito de amar. Não podiam sequer embalar o sonho de casar com quem se deliciava com suas carícias. Na eventualidade de ocorrer gravidez – algo muito frequente antes do surgimento dos métodos contraceptivos – era impositivo que abortassem. Afinal, o filho jamais poderia ter um pai, um nome, uma família. Esta marginalização, aliás, era consagrada legalmente, o que deixava os homens em situação para lá de confortável. Os filhos havidos fora do casamento eram considerados ilegítimos, bastardos. Eram condenados a serem filhos da puta.

A necessidade de as moças casarem virgens era imposta pelos costumes. O lençol manchado de sangue era exposto no balcão da casa, motivo de júbilo para as famílias dos noivos. Também nesta seara havia a interferência da lei. A ausência da virgindade configurava erro essencial de pessoa e garantia ao marido o direito de pedir a anulação do casamento.

Mas havia mais um ingrediente para garantir a certeza da paternidade. A mulher casada precisava manter uma postura de recato e seriedade. Seu lugar era o lar, para dirigir a casa, criar os filhos e cuidar do marido. Este se tornava o seu senhor. A lei o considerava o cabeça do casal, o chefe da sociedade conjugal. Mas tinha mais. Por décadas, a mulher ao casar, perdia a plena capacidade, ou seja, restava meio idiota. Nada podia fazer sem a assistência do marido. Sequer podia trabalhar “fora” sem sua expressa autorização.

Assim ficava fácil. Se o homem casava a com uma virgem, que nada podia fazer sem a sua aquiescência e a mantinha refém no lar, claro que o filho que ela tivesse só poderia ser filho dele. Esta ilação transformou-se em presunção legal. Até hoje o marido pode, sem a presença da esposa, registrar o filho como seu. Basta comparece ao cartório acompanhado de duas testemunhas munido de uma certidão de casamento e da declaração de nascido vivo fornecido pela maternidade. Já a mãe não pode registrar o filho em nome do marido se ele não se fizer presente no cartório.

A possibilidade de registro pelo pai existe no casamento, mas não na união estável. O companheiro, ainda que tenha em mãos um contrato de convivência ou até uma sentença declaratória de união estável, não pode proceder ao registro do filho. Nada disso basta. Já o casado nem precisa comprovar a concordância da mãe para tornar-se pai. A explicação é para lá de bizarra: no casamento existe dever de fidelidade enquanto na união estável o compromisso é só de lealdade. De qualquer modo, esta esquisita presunção nem é de paternidade, mas de fidelidade da mulher ao seu marido.

Mas se tudo isso era necessário pela dificuldade em saber quem é o pai de alguém – até porque, em nome da moral e dos bons costumes relações sexuais acontecem a descoberto de testemunhas – dois acontecimentos não permitem que persistam estas práticas. Primeiro foi o surgimento da possibilidade de o vínculo parental ser afirmado com alto grau de certeza. A partir da identificação do código genético, através do exame do DNA, nada existe de mais seguro para dissipar qualquer dúvida do genitor.

Esta descoberta teve efeito de outra ordem. Sepultou de vez o tabu da virgindade, que perdeu significado como elemento qualificador da mulher. Sua honradez não mais depende da integridade e seu hímen. De outro lado, nas ações investigatórias de paternidade, a alegação de que a mãe poderia ter tido contato sexual com mais de uma pessoa – argumento conhecido pela feia expressão exceptio plurium concubentium – deixou de servir de justificativa para a improcedência da ação. A vida sexual da mãe não cabe ser invocada como meio de defesa.

O outro acontecimento revolucionário foi o surgimento das técnicas de reprodução assistida. As pessoas não mais são frutos exclusivamente de uma relação sexual entre um homem e uma mulher. Bancos de sêmen, fecundação in vitro, gestação por substituição fez pluralizarem os vínculos parentais. Hoje em dia para alguém ser pai ou ser mãe não precisa ter um par.

Agora nem mais a maternidade é certa.  Mãe passou a ter adjetivos. Nem sempre a mãe biológica é a mãe gestacional. E talvez nenhuma delas seja de fato a mãe registral. Ou seja, mãe não é somente aquela que teve um óvulo fecundado e nem quem o carregou no ventre por nove meses. Para ser mãe nem é preciso participar do processo reprodutivo. Mãe é quem deseja ter um filho. É o que basta para ser reconhecido o direito de registrar como seu o filho que não deu à luz e nem tem sua carga genética. O mesmo acontece com relação ao pai. Deixou de ser exclusivamente o marido da mãe.

Assim, estão sepultadas as presunções de parentalidade. Principalmente a partir do reconhecimento das uniões homoafetivas, a quem a justiça assegurou acesso ao casamento. Resolução do Conselho Federal de Medicina autorizou o uso das técnicas de procriação assistida aos parceiros homossexuais. A persistir tais presunções, por elementar princípio da igualdade, não é possível impedir que seja registrado como de ambos, o filho do casal de homens, ou de mulheres. Caso eles sejam casados, vivam em união estável ou comprovem terem se submetido às técnicas de reprodução assistida, é o que basta para procederem ao registro da dupla maternidade ou paternidade.

Não há forma mais humana, ágil, efetiva e afetiva para que crianças saibam desde sempre de quem são filhos!

*Advogada especializada em Direito das Famílias e Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM