• siga o )feminal( no twitter
  • comunidade )feminal( no facebook
  • comunidade )feminal( no orkut

Moral conservadora equipara Brasil e Turquia

setembro 23rd, 2014

Renata Batista | Do Rio

09.09.2014. A crescente força da questão religiosa e de debates como o da união civil de homossexuais na política reflete o conservadorismo dos brasileiros. A avaliação é do Ipsos Public Affairs, instituto de pesquisa com atuação em 86 países. O Ipsos acaba de fechar um estudo de comportamento em 20 países, mas as respostas dos brasileiros foram, inicialmente, desconsideradas pelos analistas estrangeiros que consolidaram os dados globais para estudos específicos sobre a questão feminina e sobre as causas homossexuais.

“Eles acharam que tinha alguma coisa errada pois as respostas não eram consistentes com a imagem que tinham do país”, resume o diretor do Ipsos no Brasil, Dorival Mata Machado, que na época estava chegando na empresa e precisou avaliar os resultados ponto a ponto para reverter a situação.

Para Machado, as respostas também estão distantes do próprio imaginário do brasileiro, que não percebe esse viés.

“O conservadorismo moral do brasileiro está mais próximo de países percebidos internamente como mais fechados ou com forte influência religiosa, como China e Índia, do que de vizinhos da América Latina, como a Argentina”, avalia, e faz o contraponto com a imagem externa do país. “Lá fora, existe uma percepção do Brasil não tão conservador. Eles percebem que o país está crescendo, mudando, e não têm ideia de que é uma sociedade calcada em uma posição conservadora, principalmente na base da sociedade. Não conseguem entender a distância entre o Brasil novo e as posições conservadoras”.

Questionados se as mulheres devem ter os mesmos direitos e o mesmo poder dos homens, brasileiros e turcos – país de maioria muçulmana e, por isso, percebido como mais conservador – apresentaram o mesmo resultado: 80% dos entrevistados concordaram com a afirmação, o que coloca os dois países entre os quatro com menos aderência à ideia de igualdade de gênero. E um percentual maior de brasileiros do que de turcos concorda com a afirmação de que o papel das mulheres na sociedade é ser boas mães e esposas – 38% contra 36%, na Turquia.

A posição dos brasileiros em relação aos homossexuais também é bem próxima a dos turcos. Lá, 62% concordam que gays e lésbicas têm o direito de viver suas vidas como quiserem. Aqui, são 61%. Na hora de se posicionar claramente de forma contrária, porém, o brasileiro é mais cuidadoso. Apenas 28% discordam da afirmação, contra 34% na Turquia.

“Não é que estejamos ficando mais conservadores. O problema é que existe um conjunto de questões que são tabus no Brasil. Aqui, ninguém pode se declarar sem religião, por exemplo”, afirma Machado, lembrando que os candidatos se apressam a se posicionar como religiosos. Entre os entrevistados dos 20 países, os brasileiros foram os que deram mais importância para religião: 79%.

Para o diretor do Ipsos, o Brasil pode estar em transição porque o país está em um momento de olhar o mundo e ser olhado pelo mundo. Ele acha mais provável, porém, que as respostas dos brasileiros estejam relacionadas à rejeição a posições muito radicais. “O brasileiro só aceita posições radicais nas questões de violência e defesa da família. Ele é totalmente contra o aborto, mas a favor da pena de morte e da redução da maioridade penal”, resume.

Fonte: Valor Econômico

Aumento de candidatas ao Legislativo deve ser analisado sem efusividade

setembro 23rd, 2014

Céli Pinto*

Pesquisadora da UFRGS destaca que “a estrutura político-partidária ainda é fechada às mulheres”

As eleições presidenciais deste ano serão inéditas em termos de participação feminina na disputa. São três mulheres concorrendo ao mais alto cargo político do país, duas delas destacadas na dianteira das pesquisas de intenção de voto. Embora ainda longe de atingir o percentual estabelecido na legislação eleitoral, o número de candidaturas de mulheres a cargos proporcionais também cresceu de forma geral nas eleições deste ano em relação a 2010.

As mulheres nos números do TSE

De acordo com os dados disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitora (TSE), os partidos inscreveram 8.109 mulheres para os cargos eletivos em disputa – 31,01% do total das listas das agremiações. Mas já no julgamento preliminar dos registros o percentual de candidatas aptas caiu para 28,8% do total de concorrentes, somando 6.565 mulheres em 1º de setembro. Nesta data estavam pendentes de julgamento 83 pedidos de registros de mulheres. E ainda estão tramitando recursos dos partidos na Justiça Eleitoral em todo o país com prazo limite de substituição de nomes até 20 dias antes do pleito nos casos de indeferimento do registro. Isso significa que o processo eleitoral pode se encerrar com, no máximo, 6.648 candidatas, se todas as situações pendentes forem julgadas favoravelmente às postulantes. Para isso, todos os pedidos de registro ainda em análise pelo Judiciário Eleitoral teriam que ser deferidos e todas as candidaturas aptas que têm recursos pendentes de julgamento também teriam de ser consumadas.

Também com base nos dados divulgados pelo TSE, logo após o encerramento do prazo de inscrições alguns veículos de comunicação chegaram a noticiar que o crescimento das candidaturas femininas nesta eleição totalizaria 46,5% em relação ao pleito de 2010. Mas esse dado não considerou os julgamentos das inscrições. Se todas as candidaturas femininas se efetivarem daqui para a frente, o crescimento real, comparando-se os dados com a eleição passada, será de 29,8% a 31,5%, no máximo, o que explica porque o próprio Tribunal não divulgou nenhuma matéria até o momento analisando o crescimento percentual de candidatas inscritas.

O aumento das candidaturas de mulheres se deu em particular nos cargos de deputados (federal, distrital e estadual). Em relação ao Senado, há uma mulher a menos concorrendo em comparação com 2010 e, no caso das suplências daquela Casa, houve redução do número de candidatas. Em relação aos cargos de governador e vice, o número ficou estagnado. O número de candidatas à Vice-Presidência da Nação também subiu de 1 para 4.

Ainda de acordo com o TSE, o crescimento do eleitorado feminino entre 2010 e 2014 foi de 5,81% e as mulheres representam hoje 52,13% do eleitorado.

Análise dos números exige cautela

Para a cientista política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Céli Pinto, os número devem ser analisados sem efusividade. “Há sim um crescimento de mulheres com mais densidade pública e política nos partidos aparecendo nos programas eleitorais, mas, na grande maioria, esse aumento ainda mostra que as mulheres têm muito pouco espaço nas estruturas partidárias. Nos programas eleitorais você vê que tem mais mulheres aparecendo, mas algumas evidentemente são as chamadas candidaturas laranjas”, ressalta.

É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo.”

A pesquisadora e especialista no tema da participação política feminina ressalta que o modelo eleitoral em vigor no País favorece essa situação. “É mentira que temos um eleitor preconceituoso. A estrutura político-partidária é que é fechada às mulheres e a tudo o que é novo”, afirma. Dados da pesquisa realizada em 2013 pelo Ibope em parceria com o Instituto Patrícia Galvão corroboram a opinião da professora. Segundo a pesquisa, 71% dos entrevistados consideram que a reforma política é importante ou muito importante para garantir listas paritárias de candidaturas. O estudo aponta ainda que 78% da população defende a obrigatoriedade de divisão meio a meio das listas partidárias e 73% aprovam punições às legendas que não apresentarem paridade entre os dois sexos.

Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens.”

A professora Céli Pinto ressalta os importantes avanços como a mudança da legislação em 2009, que obrigou os partidos a preencherem 30% das candidaturas com a cota de gênero e a reservar 5% dos recursos do fundo partidário para a formação de lideranças políticas mulheres, mas destaca também as contradições e o que poderia ser considerada como excessiva liberdade partidária. “Os partidos dão os 5% e não investem os outros 95%. Concentram verbas e estrutura para as mulheres capazes de se eleger porque já são campeãs de votos”, afirma. E prossegue mencionando um dado desanimador. “Estou fazendo um estudo que mostra que as candidaturas de todos os partidos brasileiros podem ser divididas em três blocos: os candidatos que vão ganhar, as lideranças sociais muito importantes e que têm boa votação mas dificilmente se elegem e as candidaturas laranjas. E a participação de mulheres nesses três blocos é inversamente proporcional”, alerta.

Enquanto não tivermos uma reforma política que imponha limites às oligarquias partidárias vai ser assim. As listas abertas permitem que os partidos ‘cumpram’ a lei colocando o número de mulheres adequado a uma lista infindável de candidatos homens”, conclui a pesquisadora.

O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária

Céli Pinto comentou ainda estudo que realizou para verificar a quantidade de mulheres que alçaram a cargos eletivos em todos níveis disputados no período de 1950 a 2010. Apenas 595 foram eleitas e somente 73 foram reeleitas duas vezes, de acordo com o levantamento.

O machismo arraigado na estrutura política é potencializado pela lógica publicitária, na opinião da especialista. “Basta ver o que fizeram com a Dilma no programa de apresentação da candidatura. Uma mulher que foi guerrilheira, ministra, é presidente há quatro anos, inaugura obras por todo o País e a colocam cozinhando massa no programa eleitoral. Assim é a cabeça dos partidos e do pessoal da propaganda”, desabafa. Uma rápida análise pelas propagandas eleitorais na TV e no rádio reforça a tese. A maioria absoluta das candidatas e candidatos, majoritários e proporcionais, se apresenta como mulheres e homens “de família” ou “defensores da família”.

A importância da atuação feminista na política

Céli ressalta ainda que, muitas vezes, para conseguir espaço nos partidos e buscar um mandato, as mulheres se adequam à lógica vigente. “As únicas mulheres que se destacaram no parlamento pelo recorte feminista são a Marta Suplicy e a Eva Blay”. A petista Marta foi deputada, senadora e hoje é ministra da Cultura. Eva foi suplente de senadora na eleição de Fernando Henrique Cardoso, assumindo o cargo entre 1992 e 1995.

A professora aponta também que a maioria das mulheres parlamentares ainda têm em geral uma trajetória partidária muito similar à dos homens nas estruturas partidárias ou se adequam a elas, assumindo cargos nas comissões mais identificadas como “femininas” – como Educação, Saúde e Seguridade. Ou até fazem mandatos politicamente marcantes, mas raramente identificados como um mandato feminista. Esse é mais um dos desafios colocados na opinião da pesquisadora.

* Cientista política, docente e pesquisadora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS

Lei Maria da Penha pode ser aplicada quando a internet se torna ferramenta de violência psicológica contra a mulher

setembro 23rd, 2014

Fernanda Matsuda

Queixas sobre a prática conhecida como “cyber vingança” ou “pornô de vingança” – o compartilhamento pela internet de fotos e vídeos íntimos com o propósito de causar humilhação da vítima – vêm sendo apresentadas com cada vez mais frequência aos tribunais brasileiros, conforme aponta a advogada consultora jurídica do Portal Compromisso e Atitude, Fernanda Matsuda.

O aumento numérico de casos denunciados e a gravidade a que podem chegar têm demandado respostas dos sistemas de Segurança e Justiça: em novembro de 2013 duas adolescentes, uma de Veranópolis (RS) e outra de Parnaíba (PI), cometeram suicídio após descobrirem que fotos e vídeos seus foram compartilhados.

A doutora em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade de Santiago de Compostela e psicóloga forense aposentada Sonia Rovinski alerta que, dependendo do contexto ao qual a divulgação está ou será associada, os danos podem mesmo chegar a esse extremo.

As causas, como por exemplo o ato de a pessoa colocar a foto da namorada nua na internet, são o determinante para causar o efeito psicológico. E há o que chamamos de “concausas”, que são, por exemplo, os fatores preexistentes, simultâneos ou posteriores que afetam o quadro. Então, se tenho uma menina mais vulnerável, com baixa autoestima, que sofre bullying, ela já é uma pessoa muito mais vulnerável para lidar com aquela exposição. Ou, no caso de a mulher não ter o apoio da família, por exemplo. Isso tudo, mais o fator principal – que é a ação ilícita daquele que fez isso –, vai resultar em um tipo de trauma que pode levá-la a se deprimir, ficar mais ansiosa, não querer o convívio social por um tempo, até o suicídio”, explica.

A psicóloga destaca que o amparo da justiça e o acolhimento da mulher que é vítima desse crime é essencial para a sua recuperação. “As mulheres devem sim buscar o recurso jurídico, porque ele ainda é um meio de proteção. E é importante que elas possam entender que esse é um caminho que tem que estar associado a outros, como os centros de referência que têm psicólogos. Também é muito importante contar com a rede de apoio da família e de amigos”, recomenda.

O que diz a Lei

A legislação atual permite o enquadramento do crime de cyber vingança sob a ótica da responsabilidade civil (danos morais) e criminal. Nesta última esfera, além dos crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), as mulheres vítimas adultas, se sofrerem violência psicológica e danos morais, encontram amparo na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), e as menores de idade também são protegidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

O artigo 7º da Lei Maria da Penha tipifica como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional ou prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher; diminuição, prejuízo ou perturbação ao seu pleno desenvolvimento; que tenha o objetivo de degradá-la ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio.

Em primeiro lugar, a veiculação da foto por si só é um crime contra a honra, uma difamação. E, para estabelecer se é também uma violência psicológica, é preciso ver como isso repercute na pessoa que foi vítima. A mulher pode ficar tão mal com aquela exposição que acaba ficando doente e, aí sim, há uma violência psicológica”, explica a vice-procuradora–geral da República Ela Wiecko.

Muitas vezes, o compartilhamento vem acompanhado ainda de ameaças à vítima e até por chantagem e extorsão. De acordo com a juíza Teresa Cristina Cabral dos Santos, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santo André (SP), muitos casos, assim, podem ser processados também como crime de ameaça, quando o parceiro, por exemplo, alerta a vítima que irá expô-la em situações de intimidade caso ela termine o relacionamento.

A vingança pornô ganhou destaque também no novo texto do marco civil da internet, aprovado em abril de 2014, aponta a advogada Fernanda Matsuda. De acordo com a Lei nº 12.965/2014, os provedores de internet que não retirarem do ar o material após notificação extrajudicial poderão responder pelos danos causados à vítima – o que pode tornar a retirada bem mais célere.

Já a “Lei Carolina Dieckmann” (Lei nº 12.737/2012), rapidamente aprovada após fotos íntimas da atriz terem sido copiadas de seu computador pessoal e divulgadas na rede, incluiu no Código Penal uma série de infrações praticadas no meio digital e prevê a reclusão de 8 meses a 3 anos e 4 meses a quem divulgar conteúdo roubado de dispositivo informático, mas não prevê especificamente a conduta “pornô de vingança” quando não houver o roubo das imagens, mas sim a veiculação sem consentimento.

Propostas legislativas 

Na Câmara dos Deputados atualmente tramitam três projetos de lei sobre o tema, com propostas distintas. Todos buscam, entretanto, o aumento da pena em relação ao crime de difamação em caso de cyber vingança.

O Projeto de Lei 6.713/2013 estabelece a punição de um ano de reclusão e multa de 20 salários mínimos a quem publicar “as chamadas postagens pornográficas de vingança na internet”. A proposta cita como exemplo a legislação da Califórnia e de New Jersey sobre o assunto e a posição do delegado José Mariano de Araújo Filho, especialista em crimes cibernéticos, que diagnosticou: a dificuldade operacional e a ausência de regulamentação legislativa para coleta das provas são os principais entraves à resolução desses casos.

O Projeto de Lei 5.555/13 prevê que, sempre que imagens ou áudios forem divulgados sem o consentimento da mulher, o juiz determinará a remoção do conteúdo da internet. Tal medida deverá ser acatada pelo “provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação” para que remova, no prazo de 24 horas, o conteúdo que viola a intimidade da mulher.

De acordo com a justificativa do PL, existe uma “dimensão da violência doméstica contra a mulher que ainda não foi abordada por nenhuma política pública ou legislação, que é a violação da intimidade na forma da divulgação na Internet de vídeos, áudios, imagens, dados e informações pessoais da mulher”.

Já o Projeto de Lei 6.630/2013  pretende alterar o Código Penal para tipificar a conduta de “divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima” e estabelece pena de detenção de um a três anos e multa, com aumento de pena de um terço se o crime for cometido com o fim de vingança ou humilhação ou por agente que era cônjuge, companheiro, noivo, namorado ou manteve relacionamento amoroso com a vítima, com ou sem habitualidade.

A proposta obriga o agente a indenizar a vítima por todas as despesas decorrentes de mudança de domicílio, de instituição de ensino, tratamentos médicos e psicológicos e em caso de perda de emprego, mas não impede que a vítima busque, na esfera civil, a reparação por outras perdas e danos morais e materiais.

De acordo com a justificativa do projeto, a partir da análise da legislação vigente, não foi encontrada “uma norma penal específica que defina a conduta de divulgação indevida de material íntimo. As autoridades acabam enquadrando como difamação ou injúria, que possuem pena branda para a gravidade da conduta”.

Fonte: Levantamento realizado pela consultora jurídica do Portal Compromisso e Atitude

Desigualdade – Pessoas sem casa, casas sem pessoas

setembro 23rd, 2014

Marcos Rogério Sampaio*

Os primeiros dados do Censo divulgados pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de domicílios vagos no país é maior que o déficit habitacional brasileiro.

Existem hoje no Brasil, segundo o censo, pouco mais de 6,07 milhões de domicílios vagos, incluindo os que estão em construção. O número não leva em conta as moradias de ocupação ocasional (de veraneio, por exemplo) nem casas cujos moradores estavam temporariamente ausentes durante a pesquisa. Mesmo assim, essa quantidade supera em cerca de 200 mil o número de habitações que precisariam ser construídas para que todas as famílias brasileiras vivessem em locais considerados adequados: 5,8 milhões.

O Brasil possui cerca de 33 milhões de pessoas sem moradia, segundo o relatório lançado  pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. Desse número, cerca de 24 milhões que não possuem habitação adequada ou não têm onde morar, vivam nos grandes centros urbanos.

O déficit de moradia no país chega hoje a 7,7 milhões, das quais 5,5 milhões estão em centros urbanos. Se o cálculo incluir moradias inadequadas (sem infra-estrutura básica), o número chega a uma faixa de 12,7 a 13 milhões de habitações, com 92% do déficit concentrado nas populações mais pobres.

A população favelada no Brasil aumentou 42% nos últimos 15 anos e alcança quase 11 milhões de pessoas, segundo análise do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE.

Um total de 11.425.644 de pessoas – o equivalente a 6% da população do país, ou pouco mais de uma população inteira de Portugal ou mais de três vezes a do Uruguai. Esse é o total de quem vive, atualmente, no Brasil em aglomerados subnormais, nome técnico dado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Com base nos vários itens de monitoramento das condições de moradia, que levam em conta, por exemplo, o acesso a serviços de saneamento, o material de construção usado e até o número de pessoas que dormem por cômodo, o Ipea concluiu que 54,6 milhões pessoas nas cidades vivem em situação inadequada. Isso equivale a 34,5% da população urbana.

E um estudo do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, em 2000, mostrava, na América Latina, déficit de 51 milhões de moradias.

* Diretor da Granmarcos e colaborador do Portal Planeta Voluntários 

Em defesa de mais mulheres na política, por Vanessa Grazziotin

setembro 15th, 2014

(Congresso em Foco, 18/07/2014) A Procuradoria Especial da Mulher do Senado e a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados desenvolvem uma campanha permanente por mais mulheres na política. O objetivo é assegurar maior igualdade entre homens e mulheres na sociedade, aumentando a participação feminina em espaços de poder. Afinal, nós mulheres representamos 110,5 milhões de brasileiras, 51,5% da população do país.

O resultado positivo foi a aprovação da minirreforma eleitoral (Lei 12.891/13), prevendo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) incentive candidaturas femininas. Em 2014, o TSE fez pela primeira vez intensa campanha em rádio e TV para estimular mulheres a disputarem eleições.

Apesar desse grande esforço, os partidos não atingiram a cota mínima de 30% por partido ou coligação para mulheres este ano, o que indica os inúmeros desafios a serem superados para mudar a realidade brasileira.

Foram cadastrados 13.642 candidatos para todos os cargos nas eleições de 2014. Desse total registrado no TSE, apenas 3.955 são mulheres, o que representa 28,99%. O levantamento foi feito pelo site Contas Abertas. Como se sabe, a legislação eleitoral brasileira prevê que os partidos ou coligações lancem para o Parlamento pelo menos 30% de candidaturas de mulheres.

As estatísticas do TSE para 2014 ainda não foram totalmente fechadas, mas os números apontam que o volume de candidaturas masculinas é bem superior ao das femininas. Dos 118 candidatos a governador no Brasil, por exemplo, apenas 15 são mulheres, o que representa 12,71% do total.

Outro fator preocupante é que, mesmo quando os partidos cumprem a cota mínima, muitas vezes são os homens que vencem os pleitos. Muitas legendas têm lançado as chamadas candidaturas “laranja”, meramente para cumprir a cota mínima exigida por lei. Por essa razão, não destinam os recursos necessários para a campanha nem dão o apoio necessário para a efetiva eleição.

A Procuradoria da Mulher do Senado está engajada na luta para mudar esse cenário. Para enfrentar esse problema, a Procuradoria fez reunião com representantes do Ministério Público Federal pedindo providências para que as mulheres efetivamente participem da política.

Recentemente, o MP garantiu à Procuradoria que a inclusão das mulheres na vida política é uma ação prioritária de todos os procuradores regionais eleitorais em 2014. A fiscalização de candidaturas “laranja” também é prioridade. O compromisso foi assumido em encontro de procuradores regionais eleitorais em 9 de abril.

A Procuradoria da Mulher do Senado vai persistir na defesa dessa causa tão nobre. Há ainda uma longa caminhada pela frente em busca de mais conquistasAs mulheres brasileiras asseguraram o direito de voto em 1932 – e nisso o Brasil esteve na frente de muitos. As francesas, por exemplo, só em 1944 ganharam o direito de votar.

No Brasil, foi garantida a eleição da primeira presidente mulher em 2010, mas as desigualdades ainda permanecem em diferentes esferas de poder. Nos 26 estados e no Distrito Federal, há apenas duas governadoras (7,4% do total) que estão à frente do Maranhão e do Rio Grande do Norte. Dos 513 deputados federais em exercício, 45 são mulheres (11,4% do total de cadeiras). No Senado, há 81 senadores, sendo dez mulheres (apenas 12,3% do total).

Sendo assim, o estabelecimento da cota mínima legal de 30% para mulheres foi importante por iniciar um processo de mudança cultural na sociedade. Com certeza, futuramente, serão colhidos os resultados garantidos por essa legislação.

Não é fácil e rápido mudar valores e uma história de exclusão e de preconceito que permeiam questões de gênero. Mas certamente é possível incluir efetivamente mais mulheres na política. A Argentina tem 40% de seu parlamento ocupado por mulheres. Em alguns países escandinavos, essa proporção se aproxima dos 50%.

Com o objetivo de verificar na prática os fatores que explicam o caso brasileiro, a Procuradoria da Mulher do Senado propôs ao TSE a assinatura de convênio para que a Corte repasse informações sobre mulheres candidatas, desde as eleições de 1994, à Secretaria de Transparência do Senado. Os dados serão usados em pesquisa do DataSenado sobre participação feminina na política. A ideia é ouvir candidatas eleitas e derrotadas, em pleitos, para fazer um mapa das dificuldades que as mulheres enfrentam na luta pela ocupação de espaços de poder no Brasil.

O estudo será inédito na América Latina. Com esses resultados, será possível elaborar projetos de lei e planejar políticas públicas para superar limitações. À frente do TSE, o ministro José Dias Toffoli comprometeu-se em analisar e dar uma resposta breve ao pedido.

Não é mais aceitável, portanto, que um país da importância do Brasil continue convivendo com os índices de sub-representação feminina. É inadmissível que a maior parte do eleitorado nacional, formada por mulheres, ocupe menos de 10% dos assentos no Parlamento brasileiro. Está mais do que na hora de garantir mais acesso feminino a espaços de poder e de decisão.

Ranking IDH: Brasil precisa avançar na participação feminina na política

setembro 15th, 2014

(Correio Braziliense, 24/07/2014) Os dados do PNUD mostram que o Brasil conseguiu avançar em termos de igualdade de gênero. O Índice de Desenvolvimento de Gênero ficou em 0,441 levando o Brasil a ocupar a 85ª posição entre 149 países, a frente de Colômbia e atrás de México. No relatório, o PNUD afirma que uma maior igualdade entre homens e mulheres está associado a um melhor desenvolvimento. Embora o Brasil tenha avançado nesse aspecto, ainda há desafio pela frente.

Na avaliação de Jorge Chediek, coordenador-residente do Sistema Nações Unidas no Brasil e representante-residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil precisa avançar no ponto da participação feminina na política. “Os indicadores de participação política que poderiam ser bem melhores. Temos uma presidenta mulher, o que é extraordinário, mas a participação a cargos eletivos, como prefeito, governador é menor do que gostaríamos que fosse, e do que é em outros países”, avaliou.

A média de presença feminina nos parlamentos no mundo gira em 22%, segundo dados do Inter-Parliamentary Union (IPU), enquanto no Brasil, ela é inferior a 10%. Na América Latina, por exemplo, apenas o Haiti e Panamá têm menos mulheres nos órgãos equivalentes à Câmara dos Deputados do que o Brasil.

Fora do aspecto político, entretanto, Chediek, valoriza no Brasil as políticas voltadas às mulheres. “Em termos de outras dimensões de gênero, reconhecemos como muito positivo o fato de muitos dos programas sociais brasileiros estarem dirigidos a mulheres (…) Ajudam o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, então estamos com uma tendência de melhoria dos indicadores de empoderamento econômico”, diz.

Maria de Lurdes, 31 anos, é um exemplo de empoderamento feminino. Ela começou como repositora em uma rede de supermercados, passou por ajudante de manutenção, assistente de almoxarifado, caixa, e após oito anos, tornou-se gerente de uma das unidades. Durante o período que esteve no cargo de chefia, ouviu por trás das gôndolas funcionários dizendo: “Como ela chegou aí? Deve ter um caso com alguém”. Teve que se acostumar com as provocações. “Parece que liderar não é tarefa de uma mulher negra”, pontua.

 Saiu do emprego após trabalhar pelo terceiro domingo de páscoa seguido. “Não tinha tempo para cuidar das minhas filhas, não era vida”. Hoje, é gerente de uma loja de bijuterias na Rodoviária de Brasília, onde tem quatro funcionárias sob sua responsabilidade. Diz que o principal fator para continuar no atual emprego é a flexibilidade de horários, mas que é mais fácil para uma mulher liderar uma loja de artigos femininos. “No supermercado eu era questionada, como se não tivesse preparo para dar ordens. Diminuiu, mas ainda existe muito preconceito”, disse, enquanto encarava uma atendente que falava ao celular durante o serviço.

 

Ministério Público Federal quer tirar da disputa partido que não respeitar cota para mulheres

setembro 15th, 2014

(Procuradoria Geral da República, 17/07/2014) O partido ou coligação que não respeitar a cota por sexo, estabelecida pela Lei das Eleições (Lei nº 9.5054/97), terá impugnado o seu demonstrativo de regularidade de atos partidários (DRAP) pelo Ministério Público Federal (MPF). Na prática, se a Justiça Eleitoral seguir entendimento do MPF, isso significará o impedimento de qualquer chapa de um partido ou coligação que concorrer aos cargos preenchidos pelo sistema proporcional em disputa nas Eleições Gerais de 2014.

A legislação eleitoral já previa os percentuais por sexo desde 1997. No entanto,  até as eleições gerais de 2010 adotou-se o entendimento de que a regra não era uma imposiçãolegal. Em 2014, será a primeira vez que a inobservância dos percentuais poderá ter, como punição ao seu descumprimento, a “queda da chapa”, ou seja, a exclusão da corrida eleitoral de todos os componentes do grupo.

Participação feminina – Apesar de a lei falar em percentual por sexo, o histórico dos parlamentos deixa claro que o que se busca é elevar o número de mulheres nas casas legislativas. “Empiricamente é o sexo feminino que se encontra subrepresentado nas candidaturas e nos parlamentos”, aponta procurador regional eleitoral de São Paulo, André de Carvalho Ramos. De acordo com o representante do MPF, as Procuradorias Regionais Eleitorais e a Procuradoria Geral Eleitoral defenderão a aplicação da lei, que, segundo seu entendimento, faz parte das chamadas ações afirmativas eleitorais.

Na avaliação do procurador-regional eleitoral de São Paulo, assegurar o cumprimento do dispositivo é uma iniciativa alinhada com a defesa da cidadania e dos direitos fundamentais. Por isso, o comprometimento da instituição em impugnar dos demonstrativos de regularidade dos partidos, caso haja descumprimento.

Como o deferimento do DRAP é requisito para a aprovação das candidaturas pela Justiça Eleitoral, se a impugnação do MPF levar ao seu indeferimento, todos os candidatos que pretendam concorrer a cargos pelo sistema proporcional não terão como obter o registro.

Proporção – O procurador apresenta números que deixam evidente a desproporcionalidade no Congresso Nacional. Dos 513 deputados federais, apenas 45 são do sexo feminino. O mesmo se repete no Senado, onde, entre os 81 senadores, o universo de mulheres não chega a uma dezena – nove.

Mas, ainda que defenda o rigor na fiscalização, Ramos diz-se otimista em relação aos cumprimento das cotas pelos partidos. Ele espera que, dessa forma, a diferenças nos percentuais sejam logo reduzidas. Seu otimismo baseia-se, entre outros, no caso da Argentina, que adotou o mesmo instituto na década de 90, colhendo resultados em apenas dez anos.

Questionado sobre a possibilidade de os partidos registrarem candidaturas de mulheres apenas para cumprir a cota, Ramos afirma que o fenômeno das “candidaturas laranjas”, se vier à tona, não será um fato relacionado, exclusivamente, à cota por sexo, não podendo, por essa razão, desqualificar o instituto.

Ramos indica que, para avançar na política inclusiva, não basta os partidos franquearem o acesso das mulheres às candidaturas. É preciso dar condições a elas para concorrem e aponta a via adequada: a melhor distribuição dos recursos do fundo partidário.

O que diz a lei – A determinação que assegura a participação mínima e máxima de participantes de um determinado sexo está no parágrafo 3º do artigo 10 da Lei das Eleições e, segundo o dispositivo, “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

Evite o abuso sexual na copa

setembro 15th, 2014

Maria Aparecida Vieira Souto*

ZH11.06.2014. A Copa do Mundo chegou. E os abusadores sabem que, em tais ocasiões, crianças e adolescentes ficam elétricos e mais suscetíveis. Portanto, atenção máxima à sua proteção.

Elas devem saber que abusadores, geralmente, têm comportamento gentil, porém

enganador, sendo compreensível sentirem-se tentados a aceitar o que propõem.

Há necessidade urgente de reforçar estratégias a serem usadas durante a Copa,

diante de risco ou suspeita de abuso sexual.

Assim sendo, deverão: recusar carona para ir às festas dos jogos sem que haja

combinação e verificação prévias, rejeitar convites para assistir jogos na casa de alguém sem autorização, somente sair da escola com a pessoa com a qual isto esteja acertado, impedir que toquem em seu corpo de maneira inconveniente, sob a alegação de se estar comemorando um gol.

Assegure-se que tanto a criança, quanto o adolescente saibam quatro coisas: 1.

todo o nome completo, 2. o próprio endereço, 3. o número de um telefone e, principalmente, 4. o que deve fazer para conseguir ajuda em uma situação imprevista ou de urgência. Por exemplo, aproximar-se de um grupo de pessoas, entrar em uma loja, falar com um Policial Militar, relatar o que está acontecendo e fornecer seus dados.

Durante a Copa, os diferentes agentes da rede de proteção à criança e ao

adolescente estarão visualmente identificados e circulando pelos locais de realização dos eventos comemorativos, podendo ser procurados por aqueles que tiverem vivido e/ou assistido algum tipo de abuso sexual.

Os abusadores não aceitam recusas e insistem. Diante disto, as crianças e os adolescentes deverão dizer não bem alto para que outras pessoas escutem. Se o agressor não desistir e ninguém acudir, a melhor estratégia é gritar fogo! E saírem, imediatamente do lugar. Deverão também contar para alguém o ocorrido e buscarem ajuda.

Vale lembrar que estratégia de gritar fogo poderá se usada em qualquer situação

de abuso sexual. Ela é difundida em todo o mundo, visto que as pessoas são mais sensíveis a gritos de fogo do que de socorro.

Gritem fogo e alguém ajudará.

* Assistente Social, membro do Comitê Municipal de Enfrentamento à Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes de Porto Alegre.

 

 

 

 

O crime das meninas

setembro 15th, 2014

Rosiska Darcy de Oliveira*

24.05.2014. O clamor que o rapto das meninas nigerianas despertou no Ocidente – uma cúpula de chefes de Estado se reuniu em Paris – é o único consolo frente a um ato vil que, por seus requintes de crueldade, nos devolve, como espécie, ao mundo das feras. As autoridades e os grupos de mulheres que protestam, exigindo uma ação imediata de resgate, estão dizendo uma coisa simples: o que aconteceu naquela escola nos faz a todos menos humanos. O silêncio e a indiferença são cúmplices. Queremos as meninas de volta.

O governo de um certo Goodluck – má sorte para as meninas – não agiu a tempo de impedir o sequestro apesar de ter sido avisado do risco e, quando pressionado pelos países do Ocidente, não foi capaz de articular uma ação efetiva que as salvasse. Logo um brutamonte armado até os dentes anunciava em vídeo que as meninas seriam vendidas como escravas, o que supõe que encontrariam facilmente compradores. Dias depois, outro vídeo, dessa vez as meninas com olhos aterrorizados, encolhidas, já amortalhadas em roupas islâmicas, são mostradas como “convertidas”.

O crime das meninas é imperdoável: frequentavam a escola, liam livros, abriam-se ao mundo, escapavam à truculência de um grupo de bandidos sanguinários que impõe às mulheres a treva da ignorância, o estupro no casamento forçado ainda na quase infância ou a escravidão, vendidas no mercado. Em pleno século 21 bárbaros usam a Internet para transmitir uma mensagem de Neanderthal.

O ódio às mulheres é tão poderoso que não espera que elas cresçam para se manifestar. O medo de que não aceitem mais ser escravas as escraviza desde já como coisas desprezíveis que esses homens – não sei se cabe a palavra – acham que elas são. E, de quebra, fazem chantagem contra o governo, pedem a libertação de outros bandidos e conseguem sujar as páginas dos jornais com suas carantonhas.

É difícil ir além da imensa compaixão pelas crianças cujo terror é possível imaginar e que deixará marcas indeléveis. Além da piedade por essas mães que urram pedindo as filhas de volta e pelos pais que se embrenham sozinhos na floresta armados de pedaços de pau sabendo do armamento moderno posto nas mãos desses assassinos. Por quem?

E, no entanto, é preciso repetir que não se trata de um ato isolado ainda que seja a expressão mais primitiva de um edifício ideológico. A violência contra as mulheres é constitutiva do fundamentalismo. Foi nessa mesma Nigéria que há alguns atrás Amina Lawal, acusada de adultério, ia ser jogada em um buraco e lapidada pelo pai e pelos irmãos em nome da lei corânica. Uma imensa corrente de protesto pela internet, capitaneada pelo movimento internacional de mulheres, obteve a clemencia no último momento. O mesmo aconteceu no Irã, com Sakhinet, igualmente acusada de adultério, salva da morte por lapidação graças à comunidade internacional. Os talibãs no Afeganistão jogaram ácido no rosto das meninas que quiseram se educar e, pela mesma razão, deram um tiro na cabeça de Malaya Yousafzay que, com quinze anos, estudava e defendia o direito das mulheres de estudar. Ela sobreviveu e tornou-se um símbolo mundial de resistência à barbárie.

A questão da dignidade das mulheres e do seu lugar no mundo apenas começou a ser aflorada nas Conferências Mundiais da ONU sobre Direitos Humanos, em Viena, e sobre as Mulheres, em Beijing. É uma dura batalha que tem que prosseguir e traz à tona a necessidade do direito de asilo quando vítimas em seus países de perseguição religiosa que desemboca na pena de morte. O argumento do respeito ao relativismo cultural, invocado de maneira simplista, justifica todo tipo de brutalidade e impede que se estabeleça com clareza como se exerce a proteção internacional à vida e à liberdade dessas mulheres.

Só em 1994, em Viena, na Conferencia mundial sobre Direitos Humanos, após noites brancas e debates ásperos em que enfrentamos a resistência empedernida de islamistas, a Declaração finalmente aprovada reconheceu que “os direitos das mulheres são direitos humanos”. Penhorada, a metade da humanidade agradeceu tamanha magnanimidade. Tive vontade de chorar…

O reconhecimento das mulheres como seres humanos com direitos, que vem do século passado ainda vai se arrastar pelo século 21 e continuará sendo pedra de toque de conflitos internacionais. Porque no rapto das meninas nigerianas está presente um vírus que não é exclusivo do Boko Haram. Nesse caso ele foi terrivelmente agressivo mas não é um vírus desconhecido. Está presente sempre e onde quer que uma mulher seja humilhada.

*Sexta ocupante da cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras.

Ecologia do tempo

setembro 15th, 2014

Rosiska Darcy de Oliveira*

O tempo é o meio ambiente impalpável onde nossa vida evolui. A relação com o tempo é, nesse sentido, uma relação ecológica, marcada no mundo contemporâneo pela poluição das horas. Todos temos relógios, mas ninguém tem tempo. Essa constatação levou o filósofo Michel Serres a propor que renunciássemos a comprar relógios e guardássemos o tempo. Afinal, na vida de cada um, o tempo é um recurso não renovável.

O paradigma da onipotência e da falta de limite, o pressuposto de energias inesgotáveis que destruiu e continua destruindo os equilíbrios da Terra, contaminou o cotidiano das pessoas e se manifesta na multiplicidade de vidas que transbordam das 24 horas do dia: trabalho, casa, viagens. Some-se a isso a bulimia da informação e o frenesi dos relacionamentos no espaço virtual, segundas vidas que permeiam o real. Mesmo se a duração da vida humana é cada vez mais longa as horas são percebidas como cada vez mais curtas.

O dia-a-dia nas grandes metrópoles tornou-se insustentável como modelo de consumo e também como escolhas equivocadas, que não se sustentam em se tratando de qualidade de vida. As horas passadas em engarrafamentos de pesadelo são momentos privilegiados para pensar em como desatar os nós do tempo das cidades. Na Itália, a lei obriga cidades com mais de cem mil habitantes a criar uma Secretaria do Tempo para estudar essa variável, decisiva na relação das pessoas com o meio urbano.

Resta ainda a relação ao trabalho e à família.

A concorrência no mercado global exerce uma pressão inclemente sobre as empresas que, por sua vez, pressionam quem trabalha, fixando metas e alem metas, exigindo prontidão, ubiqüidade e nomadismo. Cada um é o contramestre de si mesmo, tanto mais severo quanto mais competitivo. No mundo do trabalho, o que é urgente prima sobre o importante. Nesse reino da urgência, o stress é a regra e a somatização o sintoma.

Família e trabalho se tornam rivais, lealdades conflitantes. Esse foi o leitmotiv das incontáveis comemorações do Dia Internacional da Mulher. Como conciliar carreira e vida privada? A pergunta vale para mulheres e homens que trabalham a tempo integral. Crianças e idosos terão certamente muito a dizer sobre seus pais e filhos que nunca têm tempo para eles. Um sentimento de culpa, permanente, habita os jovens adultos, com duas faces, uma voltada para a família, outra para a empresa.

Homenagear as mulheres é colocar na pauta da sociedade brasileira, como um valor, o direito – para mulheres e homens- a dispor de tempo para a vida privada. Em respeito à infinidade de gestos que, em todos os tempos, elas fizeram para transformar cada um de nós em seres humanos melhores do que os selvagens que somos ao nascer. Gestos que nunca mereceram registro nos livros de história da civilização ainda que tenham sido a grande aventura educativa da espécie.

As mulheres entraram no mundo do trabalho pela porta dos fundos. Transgressoras de uma lei não escrita que lhes proibia o acesso, aceitaram condições leoninas. Acataram uma dupla mensagem: aqui, trabalhe como um homem qualquer; fora daqui, continue a ser a mulher que sempre foi. Temendo a desqualificação – a família como um ”defeito” feminino – tentaram dar respostas biográficas a contradições sistêmicas. O tempo elástico tornou-se insustentável.

A vida privada foi ocultada enquanto desafio social, sem que se levasse em conta sua contribuição à sociedade. De difícil solução, a questão foi devolvida à intimidade dos casais. Essa ocultação, angústia diária de homens e mulheres, é um dos núcleos problemáticos da contemporaneidade.

Em tempos de Rio + 20, quando a palavra sustentabilidade está em todas as bocas ainda que definida como na fábula dos cegos e do elefante, seria oportuno criar o Clube do Rio. A exemplo do Clube de Roma que, há quarenta anos, numa reviravolta epistemológica introduziu a polêmica noção de limite ao crescimento, retomada em recente e assertivo artigo de André Lara Resende, o Clube do Rio reuniria inteligências criativas e ousadas, hoje espalhadas pelo mundo. Atento às dimensões insustentáveis do cotidiano, buscaria o equilíbrio entre o uso do tempo e as energias humanas, mobilizando ciência e imaginação para gerar uma ecologia do tempo a serviço de vidas e cidades sustentáveis.

No futuro das cidades sustentáveis tempo não será dinheiro. Nada nos condena a transformarmo-nos em um sub-Estados Unidos.

Mais uma bela oportunidade para o Rio de Janeiro: ser a matriz de um conceito de sustentabilidade balizado pelo bem viver.

*Sexta ocupante da cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras.