(O Estado de S. Paulo, 01/09/2014)Após duas décadas de um firme progresso nos direitos das mulheres – incluindo a eleição para a presidência no Brasil, Chile e Argentina – a América Latina tem uma das mais altas representações de mulheres em cargos de alto escalão de governos do mundo, mas um novo e surpreendente estudo mostra que elas estão perdendo terreno em várias áreas na região.
Tomei conhecimento disso alguns dias atrás quando telefonei para Alicia Bárcena, chefe da Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal), para perguntar sobre uma campanha por direitos iguais para mulheres que sua organização lançou na semana passada, chamada “Demand Equality” (Exija igualdade, em tradução livre).
Eu estava curioso para saber por que as Nações Unidas estão lançando uma campanha por direitos das mulheres na América Latina quando a região é frequentemente citada como um modelo mundial de progresso em igualdade de gêneros. A participação de mulheres na força de trabalho na região cresceu 33% desde 1990, mais do que em qualquer outra região, segundo estimativas do Banco Mundial.
Mas Alicia disse que uma das razões para a campanha é que está havendo um “retrocesso” nos direitos econômicos de mulheres em vários países. Apesar de a diferença de gêneros vir se estreitando nas últimas décadas, ela aumentou nos últimos anos no Brasil, Chile, Peru e Paraguai, segundo números preliminares de um estudo da Cepal programado para ser publicado em novembro.
Entre outras revelações preliminares do estudo: enquanto 80% dos homens latino-americanos fazem parte da força de trabalho, somente 50% das mulheres da região se enquadram no mesmo grupo; enquanto somente 12% dos homens na América Latina não têm nenhuma fonte de renda pessoal, a porcentagem entre as mulheres na mesma situação é de 33%. Na Guatemala, a porcentagem de mulheres sem nenhuma renda pessoal é de 42%, na Bolívia 39%, na Venezuela 34%.
Dependência. O fato de que tantas mulheres sejam economicamente dependentes as torna mais vulneráveis a toda sorte de abusos, incluindo a violência; apesar de países latino-americanos e caribenhos terem cinco presidentes mulheres no fim de 2013, e ter havido um consistente progresso na representação política de mulheres nos congressos e judiciários da região, 13 países latino-americanos e 5 nações caribenhas viram um declínio no número de mulheres em seus gabinetes em comparação com os gabinetes de governos anteriores.
Questionada sobre a campanha Demand Equality da Cepal, Alicia me disse que ela está centrada em três vídeos acessíveis no YouTube cuja finalidade é aumentar a consciência sobre desigualdade de gêneros na América Latina. “Precisamos quebrar o silêncio estatístico para que as pessoas fiquem mais bem informadas sobre estas grandes desigualdades”, disse. “É importante que as pessoas conheçam o número imenso de mulheres na região que não tem uma renda pessoal, ou que não ganham o mesmo que os homens.” Quando lhe perguntei a quem as mulheres latino-americanas deviam pedir igualdade – se a governos, seus maridos ou namorados – ela respondeu: “Mais do que tudo, aos governos”.
Os governos deveriam fazer, entre outras coisas, um serviço melhor de monitoramento das práticas de remuneração injustas para as mulheres, da mesma forma como governos monitoram práticas de trabalho infantil ilegal. Até agora, muitas empresas privadas na América Latina pagam menos a mulheres do que a homens porque seus proprietários não querem pagar licença-maternidade, ou acham que as mulheres tendem a passar menos tempo no trabalho porque precisam pegar seus filhos na escola.
“Esse é, sobretudo, o caso no mercado informal”, disse Alicia, se referindo à economia informal que, segundo algumas estimativas, abarca aproximadamente a metade da economia total da América Latina. “Precisamos mover mais pessoas para a economia formal para podermos monitorar melhor estes tipos de práticas.”
Eu assisti aos vídeos da Campanha da Cepal e – embora sejam bastante simples – eles me agradaram. Mas a Demand Equality precisa, principalmente, de uma porta-voz que seja uma celebridade, como a superstar Beyoncé se tornou a face visível do movimento americano pelos direitos das mulheres, e usou seu tempo na frente das câmeras durante a recente entrega dos Video Music Awards da MTV para pedir mais poder para as mulheres.
A campanha pela igualdade de gênero na América Latina poderia se beneficiar muito com uma – ou mais – celebridade que a apoiasse. Tomara que alguma se ofereça como voluntária para dar um impulso extra a esta campanha. (Tradução de Celso Paciornik)
Andres Oppenheimer/The Miami Herald