Este é um momento de muita tristeza, mas também de homenagem. Nossa despedida de uma Grande Mulher, que sempre soube seu papel na sociedade. Escolheu as suas lutas e defendeu os Direitos Humanos das Pessoas e principalmente das Mulheres. Ultimamente por influência do amor de seu filho Lorenzo e sua nora defendia também os direitos dos animais.
Lícia Margarida Macêdo de Aguiar Peres nasceu em Salvador, Bahia, filha única entre dois irmãos, era a mais jovem. Conheceu Glênio Peres quando, em uma excursão, visitou Porto Alegre. Apaixonou-se, como dizia, por um charmoso jornalista gaúcho, que após a troca de muitas cartas e viagens, casou na Igreja de São Francisco, em Salvador, na Bahia. Mudou-se para o Rio Grande do Sul, fixando residência em Porto Alegre, em setembro de 1964.
Aqui estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e formou-se em sociologia. Neste período conhecido como os “anos de chumbo”, iniciou sua militância política no movimento estudantil. Atuante na resistência à ditadura militar, lutou pelos Direitos Humanos da Pessoa.
Em 1975, no México, no Congresso pelo Ano Internacional da Mulher, corajosamente, na tribuna, Therezinha Zerbine fez a leitura de um importante documento onde expressava a importância da anistia para o Brasil. Na volta em São Paulo nasciao Movimento Feminino pela Anistia no Brasil.
Nesse mesmo ano, Lícia conheceu Dilma e juntas organizaram em Porto Alegre, o segundo núcleo do Movimento Feminino pela Anistia do Brasil. Lícia foi sua primeira presidente no período de 1975 a -1979.
Participavam deste grupo Mila Cauduro, Quita Brizola, Lygia de Azeredo Costa, Angelina Guaragna, Ilza Brams, Enid Backes e muitas outras mulheres combativas. Uma luta árdua, dura, mas vitoriosa. A Lícia jamais erguera a voz, no entanto, jamais deixou-se curvar diante da injustiça. Diversas vezes me disse: se a injustiça é um obstáculo, olhe através dela, como se fosse transparente, e você vence. Lícia era firme, altiva e amorosa. Lições que ficarão para a vida inteira.
Em 1976, conheceu pessoalmente Leonel Brizola e sua história, tornou-se uma apoiadora e passou a atuar no PDT após a redemocratização. Participou das campanhas do partido – o marido Glênio se elegeu vice-prefeito de Porto Alegre, com Alceu Collares em 1985. Lícia disputou o mesmo posto, em 2004, com Vieira da Cunha. Em 2010, concorreu como suplente ao Senado na Campanha de Germano Rigotto. Era uma trabalhista inconformada com as injustiças.
Juntamente com as companheiras de Partido, Sueli Schimith, Marlene Vargas, Dilma Roussef, na época Linhares, Lícia Peres fundou e presidiu a AMT – Ação da Mulher Trabalhista, órgão de ponta mais importante da PDT, ainda é atualmente.
De 1983 a 2001 foi Assessora da Bancada do PDT na Assembleia Legislativa. E em junho de 92 recebeu da Câmara Municipal de Porto Alegre o título de Cidadã Porto-alegrense.
Lícia integrou a Comissão do Acervo de Luta contra a Ditadura no Rio Grande do Sul durante todo o tempo em que permaneceu atuante, de 2000 até 2009. Foi um trabalho primoroso de organização de documentos que formaram o Acervo do trabalho do Movimento Feminino pela Anistia, bem como, todas as documentações doadas pelos familiares das pessoas que alguma forma tinham envolvimentos com os “Anos de Chumbo”. Esta documentação foi entregue ao Memorial do Rio Grande do Sul.
Feminista atuante integrava os diretórios estadual e nacional do PDT. Foi Diretora Cultural da FRACAB- Federação das Associações Comunitárias e Amigos de Bairros. De 1991 a 1993 presidiu o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do RS. De 1995 a 1999 representando o Rio Grande do Sul no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Em agosto de 99, recebeu do governador Olívio Dutra a medalha Negrinho do Pastoreio por relevantes serviços prestados ao Rio Grande do Sul. Em outubro de 99 representou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher na “Reunião Subregional de Oficinas Governamentais da Mulher – Segmento Beijing+5”, organizada pelo Instituto Nacional da Família e da Mulher e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher – Banco Central, Montevidéu, Uruguai.
Em novembro de 99 integrou a Delegação Brasileira na condição de palestrante na Primeira Reunião Sub- Regional de Delegadas e Especialistas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai promovida pela Comissão Interamericana de Mulheres- CIM da OEA onde proferiu a palestra “Violência Contra a Mulher” – Palácio Legislativo, Montevidéu. E de 99 a 2003 foi Membro do Conselho Político da Frente Democrática e Popular.
Participou da reconstrução do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, que fundou o Fórum Municipal da Mulher e esteve junto na criação do Comdim de Porto Alegre.
Esteve em Nova Iorque, de 5 a 9 de junho de 2000 na Sessão Especial da ONU “Beijing+5”, como observadora, representando o IDAC (Instituto de Desenvolvimento de Ação Cultural ).
Em 15 de março de 2004, participou, na condição de palestrante, no Seminário “Desenvolvimento, Igualdade e Democracia na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, no painel “A dimensão de gênero na Cooperação para o Desenvolvimento”, em Lisboa, Portugal.
Em março de 2000 recebeu da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul o troféu “MULHER CIDADÔ, pelos relevantes serviços prestados na área de defesa dos direitos da mulher e combate à violência.
Em 02 de setembro de 2002 recebeu da RBS – Rede Brasil Sul de Comunicação – o Troféu “Gaúcho Honorário 2002”, prêmio oferecido a personalidades que vieram elevar o nível comunitário, cultural e social e econômico do Rio Grande do Sul.
De 2005 a 2008 foi Membro do Conselho Diretor da THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, entidade que tinha muito orgulho em participar.
De 2012 a 2014 foi convidada pelo Governador Tarso Genro como Conselheira do Conselho Estadual de Desenvolvimento Social para a temática dos Direitos Humanos, tive a honra de ser sua Conselheira Técnica.
Lícia Peres escolheu Porto Alegre para viver. Quando Glênio partiu ela escolheu ficar e morar aqui. Lorenzo havia chegado para completar a felicidade deles. Ela tinha um amor incondicional ao filho Lory. Lorenzo também tinha e tem um amor muito grande pela mãe. Foi incansável ao seu lado nesta luta derradeira. Depois chegou Gabi, sua nora, a quem dedicava um carinho imenso. Veio, então, o godão, um cão lindo, que a ensinou a lutar pelo direito animal. Tutuca já estava lá, fiel, atenciosa e Lícia a amava como a pessoa que ela escolhera para compartilhar o dia-a-dia.
Lícia era assim, uma amiga dedicada, alegre e disponível. Tratava dos assuntos mais ásperos com leveza. A dignidade trazia no olhar, a firmeza no passo determinado. Generosa, respeitava o contrário, mas não provocava a contrariedade. Íntegra em suas emoções sabia agregar e multiplicar de maneira solidária. Discreta, sempre nos surpreendia com um gesto de carinho ou uma palavra de incentivo.
Nos últimos 15 anos, nossa amizade nos trouxe uma maior proximidade e percebi que, como a Deusa Grega Atena, sua sabedoria transcendia as cores partidárias. Seu legado está posto a todas as mulheres guerreiras e lutadoras incansáveis na luta pelos seus direitos.
Hoje, Lícia, o Movimento de Mulheres te agradece de corpo presente, mas tua consagração será na luta cotidiana, quando lembrarmos teu exemplo, tuas palavras e tua luta. Lícia quando falava arrebatava e ampliava a audiência. Quando calava, refletia e ampliava a estratégia.
Nossa luta continua, tuas ideias continuarão, teus ensinamentos se multiplicarão, e assim, dia após dia, conquistaremos mais e mais os Direitos Humanos das Mulheres e dos Homens. Queremos uma sociedade de igualdade, de equidade, de respeito à diversidade e de amor sem violência entre as pessoas.
Minha palavra agora é gratidão.
Lícia Peres, presente!