Maria Berenice Dias*
07.03.2015. Sempre existiu – e ainda existe – enorme dificuldade em ser admitida a sexualidade feminina. Historicamente a única visualização da prática sexual era a gravidez. Até parece que a procriação esgotava o cumprimento do chamado “débito conjugal”.
Esta visão puritana e preconceituosa ainda persiste na ideia beatificada da mulher. Vista somente como esposa ou mãe sua pureza, recato, castidade, integridade é decantada como elemento qualificador, como uma virtude. Todos conceitos ligados à sexualidade, ou melhor, à abstinência sexual. Basta atentar à forma como as mulheres sempre foram educadas: para ter medo, se manterem submissas, com o estigma de pertencerem ao sexo frágil, precisando ser protegidas e cuidadas.
Jamais podiam tomar qualquer iniciativa para não parecerem “oferecidas”. Nem manifestar desejo sexual ou ceder às investidas de namorados ou noivos. Precisavam casar virgens. Tanto que, até o advento do atual Código Civil, que data do ano de 2002, o marido podia pedir a anulação do casamento por erro essencial de pessoa, se desconhecia que ela não era virgem.
Aprenderam a ser recatadas e comedidas à espera do príncipe encantado. E no dia do casamento, na chamada noite de núpcias, estas resistências desaparecem e precisa ela cumprir com o seu dever de esposa.
Com o casamento as mulheres tornavam-se rainhas do lar, devendo se satisfazer somente com a criação dos filhos, o sucesso do marido e a organização da casa. Afinal, foram adestradas com bonecas e casinhas para as atividades domésticas. Estes eram o seu único ponto de gratificação. Afastar-se destas tarefas gera culpas
O fato é que as mulheres permanecem reféns da visão sacrossanta da maternidade, considerada como uma verdadeira missão. Até se fala de “instinto maternal”, o que lhes subtrai a condição de pessoas capazes de tomar decisões acerca da própria vida. Sequer têm o livre arbítrio para decidir se desejam ou não ter filhos. A proibição do uso de métodos contraceptivos e a criminalização do aborto são provas disso.
Tudo isso por uma influência muito grande da religião, que tem uma visão dicotômica da mulher: ou santa ou prostituta. Ou Maria ou Madalena. A santificação da mulher é de tal grau que a gravidez da chamada Virgem Maria aconteceu por revelação. Ela e o marido fizeram voto de castidade. Nada mais do que rejeição à vida sexual.
Os tempos mudaram, é verdade, mas, até hoje, a virtude da mulher está ligada à ausência do exercício da sexualidade. Já os qualificativos do homem dizem com a sua performance sexual, estimulada desde muito cedo. O prazer é banido e condenado para ela, não para o homem.
As mulheres, todas elas, precisamos ser autoras do seu destino, senhoras da sua história: nem Marias, nem Madalenas.
Cada uma deve ter orgulho de ser simplesmente mulher.
*Advogada – Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB e Vice-Presidenta do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito das Famílias.