Lícia Peres*
A epidemia mundial da AIDS, e aqui no Brasil os dados são reveladores da gravidade do problema, tem merecido a atenção do Ministério da Saúde, cuja política de prevenção e tratamento do vírus tem sido reconhecida internacionalmente. Trata-se de defender nossa população de uma doença grave e que vem causando a morte de .milhares de pessoas. Até dezembro de 2002, o Ministério da Saúde registrava 257.780 casos no Brasil, sendo 185.061em homens e 72.719 em mulheres. Pelos dados do Instituto Patrícia Galvão, Comunicação e Mídia, em dossiê que contou como o apoio da UNIFEM, estima-se hoje que existam 597 mil pessoas entre 15 e 49 anos infectadas pelo HIV (O,65% do total da população) Embora 30% dos brasileiros /as, já tenham feito o teste anti-HIV, calcula-se que cerca de 300 a 400 mil pessoas tenham o vírus e ainda não estejam diagnosticadas. Quem de nós não conhece alguém contaminado pelo vírus? O que parecia distante, está à nossa volta. O problema, portanto, é seríssimo e exige grande conscientização de toda a sociedade, principalmente dos mais jovens, para prevenir a doença.
As famílias e a escola, instituições socializadoras das novas gerações, precisam transmitir permanentemente a eles a importância da prevenção da doença e da necessidade de usar preservativos nas relações sexuais, o que não é tarefa fácil. A juventude, muitas vezes levada pelo arroubo das paixões, relega para segundo plano sua própria segurança e se coloca em risco, evitando pensar nas conseqüências. E, no caso das mulheres, acrescenta-se o fato, pela assimetria de poder, do medo de negociar com o parceiro o uso da camisinha, permanecendo em relações sexuais desprotegidas . Assim, mesmo tratando-se de mulheres com relação estável, com companheiro fixo, estas estão sendo mais e mais infectadas. Sabemos como é difícil intervir numa esfera que é restrita à intimidade das pessoas.
Não bastassem os obstáculos, enfrentamos agora a oposição de setores da Igreja Católica que se arvoram o direito de ignorar a realidade, tentando impor a moral católica.
Em campanha permanente contra o uso de preservativos e na defesa da castidade , setores conservadores da Igreja Católica se insurgiram violentamente contra um vídeo realizado pelas ONGs com o slogan “Pecado é não Usar (camisinha)” , que alerta para a possibilidade da Igreja estar cometendo mais um erro , dentre os crimes que reconhecidamente foram cometidos contra a humanidade ao longo de sua existência e já motivaram confissões de culpa e pedidos de perdão pelo próprio papa. O Programa Nacional de DST e AIDS, do Ministério da Saúde, mesmo não querendo polemizar com a igreja com quem mantém parceria através do trabalho desenvolvido com as pastorais para a prevenção e tratamento da doença, deixou claro que não é possível ignorar a verdade científica e reiterou “ a eficácia do preservativo como única maneira de prevenir o HIV entre pessoas com vida sexual ativa, cerca de 91 milhões no Brasil”.
A relação entre religião e Estado já foi definida. O Estado brasileiro é laico e não pode estar à mercê de nenhum tipo de fundamentalismo . Esta condição é essencial para o exercício dos direitos humanos e para a existência de uma sociedade onde os direitos sexuais e reprodutivos sejam respeitados, enfim, uma sociedade democrática e plural.
A responsabilidade para o enfrentamento da epidemia da AIDS é de todos, governo, empresas e sociedade. E por todo o sofrimento que a realidade vem escancarando aos nossos olhos, podemos afirmar em relação às formas de prevenção, dentre as quais a mais efetiva é o uso a camisinha: “Pecado mesmo é não usar”.
*Socióloga