por Eliana Polo*
Duas mulheres com o mesmo triste final, apenas separadas por algumas semanas, mas pelo mesmo motivo vil e infame: machismo, ciume, certeza de impunidade.
Tenho visto na face de outras mulheres e de muitos homens o horror estampado diante das notícias que tem entupido os noticiários e as caixas de mensagens de todos nós.
Trata-se de um momento de grande reflexão, não basta somente lamentar o que aconteceu, mas precisamos, neste momento, lançar uma ação concreta para o enfrentamento de situações de violência contra o direito da pessoa humana, seja ela mulher ou homem.
A violência doméstica contra a mulher é quase sempre silenciosa, acontece entre quatro paredes, só há visibilidade quando o ponto culminante é a morte da mulher, seja ela esposa, namorada ou amante. Rica, pobre ou provedora de uma família.
Quantas mulheres ainda haveremos de perder? Quantas vezes assistiremos a impunidade se instalar em nossa cidade, em nosso estado, em nosso país?
Droga, álcool, dinheiro, pobreza, quantas desculpas esfarrapadas para encobrir um crime hediondo e covarde. Quantas vezes, ainda, seremos testemunhas do pouco caso das autoridades que apenas deveriam cumprir seu papel diante da lei existente, que neste caso é a Lei Maria da Penha?
E a história se repete, mudando apenas o nome da vítima. Outra Elisa, outra Márcia, Ângela, Sandra, outra mulher sucumbindo, sob ameaça de um homem. Vidas ceifadas, vidas interrompidas, crimes registrados e mortes anunciadas.
Infelizmente, ainda há de se falar que a moça não era isso ou aquilo, que ela foi a procura de seu algoz. Justifica? Torturar, matar e mais cruel ainda, ter os restos mortais comidos por feras? Quem realmente são as feras nesta mórbida e triste história?
As conquistas das mulheres nas últimas décadas marcaram novos tempos, determinaram uma nova sociedade, definiram uma nova concepção de família. Saímos de uma sociedade patriarcal e chegamos a uma sociedade igualitária na qual não há espaço para o pátrio poder, mas sim para o poder familiar.
A Constituição da República Federativa do Brasil proclama o seguinte: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (Art. 226, parágrafo 8º).
O Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres – adotada pela Resolução nº 34/180 da Assembleia das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979 –, através do Decreto Legislativo nº 93, de 14.11.1983, que foi ratificada pelo Brasil em 1º de fevereiro de 1984, e, finalmente, promulgada pelo Decreto nº 89.406, de 20.3.1984.
O Brasil ratificou, em 27 de novembro de 1995, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará – adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994.
A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, publicada no Diário Oficial da União de 8 de agosto do mesmo ano, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, garante direitos às mulheres antes não reconhecidos. E tivemos grandes avanços conquistados com a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal (Art. 14).
E, mesmo assim, o que acontece? Por que ainda acontece?
Precisamos urgentemente mudar a cultura de nosso povo de que mulher é inferior, que homens e mulheres são diferentes em direitos e deveres, que mulher quanto mais bonita mais burra tem que ser. “Que em briga de marido e mulher ninguém deve meter a colher”.
A visibilidade da violência de gênero, no âmbito doméstico, demanda o reconhecimento da violência contra a mulher enquanto uma violação de direitos humanos, uma violação que acarreta sérios danos à saúde física e psíquica das vítimas e dos filhos desta relação.
A Lei nº 11.340/2006 se de um lado instrumentaliza a repressão penal, de outro constitui importante marco para a implementação de políticas públicas destinadas à promoção da igualdade de gênero, que tem por escopo superar desigualdades socialmente construídas, mediante discriminação positiva em favor do gênero feminino.
Encerro com a famosa frase de Simone de Beauvoir em O segundo sexo: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Heleieth Saffioti sustenta que: “é preciso aprender a ser mulher, uma vez que o feminino não é dado pela biologia, ou mais simplesmente pela anatomia, e sim construído pela sociedade”.
* Administradora, Graduada em Direito e Pós Graduada em Psicologia Jurídica, atualmente atuando como Coordenadora do Centro de Referência da Mulher. CREM Nova Friburgo