por Berenice Sica Lamas
No domingo à tarde, em casa, Laura abre o álbum de fotografias. Ali estava toda a orquestra, os violinos, os violoncelos, o pianista, a cabeleira do maestro num fragmento de foto, as partituras, as roupas pretas e brancas. Excelentes fotos. A tristeza e o espanto de todos ali estavam. Desde seus onze anos preparara-se para brilhar com a orquestra na capital e agora, após vinte anos de duro estudo e aperfeiçoamento, desempregada. Uma violinista sem emprego não era qualquer mulher desempregada. Malditos deputados, sem sensibilidade suficiente em manter verbas para uma orquestra. Um suspiro fundo escapa e enxuga uma lágrima inútil, o peito pleno de mágoa. Tadzio entra e afaga seu rosto, mãe, o teu quebrou? Te compro outro violino. Laura vira as páginas do álbum, sem mais atençao.
Na última página, a foto do grupo para o folder do concerto na capital entra em combustão espontânea, chamuscando seus perplexos dedos. Arde a arte pela sobrevivência.
do livro Falsas Ficções, 2001.