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O Livro dos Erros

maio 22nd, 2011

por Lícia Peres*

Uma das coisas mais aberrantes com que nos defrontamos neste momento é a utilização de livros destinados à educação com erros crassos da língua portuguesa, ou melhor dizendo, a deseducação institucionalizada. E o MEC serve para quê? Não é sua obrigação defender o nosso idioma como dispõe o artigo 13 da nossa Constituição?

É sabido que a educação se dá através da consolidação do conhecimento. É, portanto, dever da escola ensinar certo, corrigindo quem fala errado, não por discriminação, mas justamente para auxiliar os estudantes no domínio da sua língua materna que os auxiliará no processo de mobilidade social.

A tentativa de alguns ditos especialistas em linguística de flexibilizar as regras da escrita é um tremendo equívoco. “Os pé”, “menas”, “nós fumo”, e tantas expressões oriundas de um aprendizado deficiente em famílias iletradas devem, na escola, ser corrigidas. Assim a instituição estará cumprindo sua função de preparar os estudantes para competir, em igualdade de condições, com aqueles de famílias mais cultas. Não é possível, de forma paternalista, sonegar-lhes o direito de aprender, deixando “passar” os erros cometidos. Até porque o alunato, em qualquer nível, tem aspirações e quer melhorar sua condição de vida. Assim, muitos, mesmo com sacrifício, trabalham de dia e frequentam a escola noturna.

Ademais, há um aspecto que não pode ser desconsiderado. Em qualquer concurso, a exigência em relação ao conhecimento da língua portuguesa costuma ser rigorosa e até mesmo eliminatória. Como alguém oriundo de um ensino deficiente desde as séries iniciais poderá ter êxito em suas pretensões? Nesse caso constata-se a verdadeira discriminação: a que limita de antemão a ascensão dos mais pobres transformando seus sonhos em mera ilusão.

*Socióloga

O Enigma do Tempo Retido nos Museus

maio 19th, 2011

Teniza Spinelli*

A frequente comparação do museu com uma máquina do tempo – que desloca e transporta o indivíduo para outros mundos – leva-nos a crer que o espaço expositivo no museu, de fato, nos conduz a um tempo diferenciado e inusitado. Esse tempo concebido e problematizado – foco do olhar – pode ser o passado, o presente ou mesmo a projeção de um tempo ou lugar do futuro. Mas seguramente nunca será o tempo real vivido pelo visitante fora do espaço artificial, idealizado e institucionalizado. Porque o tempo no espaço da exposição museológica será sempre um simulacro do tempo real.

Para esclarecer essa assertiva fomos buscar inspiração em uma antiga lenda oriental. Trata-se da história de Urachima Taro, famoso pescador japonês e sua viagem a um mundo desconhecido.

Urachima, ao salvar uma estranha tartaruga maltratada por garotos, em uma praia de sua aldeia, liberta, sem saber, uma princesa encantada, filha do rei do mar. Como prêmio, a princesa o convida a conhecer o seu palácio, no fundo das águas. Impressionado por aquele mundo, Urachima se envolve e, acaba permanecendo ali, casado com a princesa.

A lenda, pela riqueza dos fatos abordados, nos permite fazer inúmeras reflexões: a tartaruga, por ter vida longa, constitui-se num símbolo milenar da passagem do tempo em seu lento, constante e irreversível percurso. Ela é ainda, neste caso, um vetor de comunicação. Em um museu, a exposição é o espaço do estranhamento, do hermético a decifrar. Trata-se de um local onde o visitante se percebe através dos objetos e, ao reconhecê-los, se conhece e se transforma. A mensagem contida nos objetos (meios), proposta pelo emissor (profissional do museu) no contexto museológico está destinada ao visitante-receptor denominado público de museu.

Na história em questão, o pescador é este indivíduo-visitante. Ao mesmo tempo em que ele desencanta/desvela o objeto olhado – na lenda a tartaruga/princesa – ele é também por ela encantado, gerando-se uma transformação. Urachima acaba fascinado pelo desconhecido: o mundo submerso da memória.

Que tempo é este que Urachima encontra no fundo do mar? Não é o tempo que ele viveu na aldeia, nem o tempo futuro que desconhece. Trata-se de um tempo presente, porém um tempo paralelo coexistente ao seu.

Conforme a lenda, a busca interior do personagem o consome. Embora vivendo com a princesa e rodeado de fabulosos tesouros, Urachima não consegue ser feliz. Como um exilado, ele teme perder a identidade e, por isso, deseja reencontrar aquele passado deixado para trás. Decidido a partir, recebe da princesa uma caixa fechada. Ela recomenda-lhe que não a abra, caso contrário jamais poderá regressar e vê-la novamente. A caixa nas mãos de Urachima representa uma incógnita. Assim como a tartaruga, este objeto é um vetor simbólico da comunicação com o tempo. A caixa contém o segredo do conhecimento ali acumulado e encerrado.

Cumprida a saga do retorno, no momento em que Urachima volta à tona, aflora à superfície das águas e caminha pela orla da praia, ele não reconhece mais a antiga aldeia. Descobre que seus parentes e amigos haviam morrido há séculos. Percebe que o tempo não tinha a mesma equivalência nos dois mundos. A lenda nos leva a crer que não há caminho de volta no tempo. Quando se move uma porta, não há retorno para o mesmo lugar, mas sim um abrir-se para o novo – um tempo reinaugurado. A identidade se constrói no caminhar e não no tentar reaver o que ficou para trás.

Como derradeira chance, em busca do auto-conhecimento, Urachima tenta reverter o tempo e projeta o futuro no fundo do mar. Mas o fundo do mar agora era passado. Desesperado, sem entender o enigma, Urachima esquece a recomendação da princesa e abre a caixa. Tal como a caixa de Pandora, ela contém um segredo, uma revelação radical para o visitante. Seu interior desvenda para ele a materialidade do tempo e opera nele uma transformação física. Urachima começa a envelhecer com rapidez e transforma-se num ancião. Amadurecido pelos anos e pelo conhecimento acumulado, sozinho, o pescador acaba morrendo na praia, no mesmo lugar da partida, agora também chegada. Cumpre-se assim a roda da vida.

Transpondo a lenda para o espaço museológico, podemos deduzir que a incógnita do tempo está contida nos objetos dos museus – signos – em sua relação com as pessoas, pois se tornam vetores de comunicação. O tempo é finito para os seres humanos, porém os objetos permanecem como testemunhos materiais, herdeiros da passagem do homem sobre a terra. Eles são verdadeiras máquinas do tempo a conduzirem os visitantes nos museus. Assim, a memória é uma condição do homem que o diferencia dos animais, pois somente o homem é capaz de capturar o tempo, de entender e traçar a sua própria trajetória e ter consciência de sua finitude.

Concluindo: entrar num museu – não importa qual tipologia – não é necessariamente entrar no passado. É, sobretudo, estabelecer nexos e relações sem fazer juízo de valor entre o velho e o novo, o bom e o mau, o feio e o belo. É exercitar a capacidade humana de reflexão. A memória não está, portanto, nos objetos dos museus, mas na capacidade humana de projetar e perceber nos objetos/bens culturais os condutores de processos mentais e de reflexões.

*Jornalista e museóploga

O que a TV nos manda ver

março 30th, 2011

por Sandra Fernandes*

Você já reparou que temos o hábito consolidado de sentar no sofá, ligar a TV e esperar por informações acerca do que está acontecendo no mundo, dia após dia, ouvindo, consumindo, mas nunca questionan-do? Alguma vez já se perguntou que fatia dos acontecimentos mundiais, nacionais e locais está repre-sentada ali? Já pensou em quanta coisa fica fora dos noticiários? Já parou para refletir que existe al-guém que decide o que entra no ar e o que não entra? Já se perguntou quais critérios essa pessoa usa para fazer essa triagem noticiosa decidindo o que será e o que não será repassado ao telespectador? Será que aquilo que ela considera importante seria o mesmo que você consideraria importante? Se você pudesse selecionar as informações, será que escolheria as mesmas notícias? O que eles mostram ali realmente influencia sua vida?

É assustador pensar que tem alguém decidindo por nós o que iremos saber e aquilo de que não tomare-mos conhecimento. A quem servem esses senhores anônimos, mas conscientes do que fazem, levando mensagens a um público semi-adormecido? Precisamos acordar, despertar de nossa passividade e refle-tir acerca de como são fabricados, distribuídos e vendidos esses produtos chamados notícias, bens in-tangíveis, mas que nem por isso deixam de ser bens de consumo. Ligamos nossa TV despreocupada-mente acreditando que iremos ouvir verdades. Será? Acreditamos que seus “conselhos” são bons. Será que são? Pensamos que as notícias veiculadas refletem realmente o que há de mais importante para saber. Será mesmo? Você já reparou nos anúncios que assiste enquanto espera pelo próximo bloco?

Quem são aquelas empresas que investem milhões para veicular seus nomes e seus produtos naquele chamado horário nobre em que milhões e milhões de pessoas estão, tal qual você, sentados assistindo aquele programa jornalístico?

Claro, elas bancam o custo da produção televisiva que, todos sabemos, é muito alto e que nós recebe-mos gratuitamente em nossos lares. Mas, será que em algum momento não pode haver um choque entre os interesses deles (patrocinadores) e nosso direito de conhecer os fatos e suas verdades? Se houver esse conflito, que sairá ganhando, nós, simples consumidores – e no mais das vezes, nem consumidores somos porque não podemos comprar o que eles vendem – ou os grandes e poderosos grupos que patro-cinam os telejornais e enchem de glamour e de dinheiro os concessionários de canais de TV? Aliás, vale lembrar que as TVs têm apenas concessões e que, portanto, prestam um serviço publico por dele-gação do Estado.

Você já reparou que há varias formas de contar a mesma história? Várias abordagens, várias ênfases, vários significados? Já reparou que normalmente a primeira frase de uma matéria televisiva já determi-na de que forma ela deve ser interpretada e já prepara o caminho para a conclusão que deve ser tomada sobre o que foi dito? Já reparou que não há questões em aberto para você refletir?

Tudo vem pronto, mastigado, resolvido. Em perfeita harmonia como roupa prêt-à-porter e como a co-mida fast-food, também alguém já lhe poupa o trabalho de pensar, de refletir, de analisar os fatos. O risco é você começar a acreditar que não tem capacidade para pensar, já que não lhe dão essa oportuni-dade.

Você já reparou que todos os dias as pessoas repetem, nas ruas, no trabalho, nos bares, a surrada frase “você viu… na TV ontem, que coisa horrível/engraçada/triste/absurda?” E se você, naquela fatídica noite, precisou levar sua sogra para a rodoviária e perdeu o famigerado pautador de assuntos, passa a ser considerado um desprezível e desatualizado cidadão que não leu na cartilha da boiada a lição da noite anterior. O curioso é que todos saem com a mesma opinião pasteurizada sobre os assuntos e ai de você se discordar do senso comum! Em suma, alguém decide sobre o que você vai conversar no dia seguinte e que impressão você vai causar no seu grupo social. Curioso, não? Mais curioso ainda é que tudo isso nos parece normal. Estranho é questionar essas coisas.

Mas precisamos questioná-las. Não podemos permanecer adormecidos, passivos, conformados. Preci-samos ansiar pela verdade simples, clara e objetiva e, sobretudo, não podemos deixar de considerar que toda mensagem é transmitida por alguém que está dentro de um contexto, que faz escolhas, que tem um objetivo ao transmiti-la. É necessário que essas mensagens astutamente elaboradas cheguem a cabeças críticas e conscientes e não apenas depósitos cerebrais de informações e interpretações pré-fabricadas.

* Jornalista e Psicóloga

Meninos e meninas: qual o papel de cada um?

fevereiro 23rd, 2011

por Karen Cirillo

O que significa ser uma menina? E um menino? Há comportamentos inatos, capacidades ou interesses que vão além de ser um menino ou uma menina? Existem coisas que meninos ou meninas não podem ou não estão autorizados a fazer por causa de seu sexo? Ambos têm as mesmas oportunidades na vida?

Meninas são… Menino são… é o tema do Dia Internacional da Criança no Rádio e na TV, que será celebrado este ano no dia 6 de março. A ideia do Unicef, promotor do evento há mais de 15 anos, é contar com a participação dos meios de comunicação. Neste dia, o Unicef sugere que a mídia em geral abra sua programação para dar vez e voz as crianças e, neste ano, para debater a questão do gênero.

O Dia Internacional da Criança no Rádio e na TV foi criado para dar mais visibilidade aos direitos de meninas e meninos. Com o passar dos anos, tornou-se também um dia para celebrar os mais jovens na mídia.
O direito à participação e à liberdade de expressão é essencial para o desenvolvimento dos adolescentes. Ao dar voz aos mais jovens, as emissoras têm a oportunidade de fortalecer meninas e meninos em seus conhecimentos sobre os meios de comunicação. Isso mostra a outros adolescentes que eles também podem se expressar. E mostra ao mundo o que os mais jovens pensam sobre sua vida e suas comunidades.

Para mais informações
http://www.unicef.org/videoaudio/video_55906.html
kcirillo@unicef.org

As redes sociais e a democracia

novembro 9th, 2010

Em nossa democracia, é muito baixa a possibilidade de decidir e intervir. A única delas é o voto, pouco para um exército acostumado a clicar, a escolher tudo a toda hora.

por Fernand Alphen

Redes sociais: duas entre cada dez palavras pronunciadas por qualquer bem pensante hoje em dia, em papos de “Abalar Bangu”. Mais um daqueles inúmeros fenômenos que surgem para acrescentar alguns charts às palestras dos gurus Best Sellers. Mais um tema para excitar os especuladores, os caçadores de talentos e os vendilhões de empresas.

Tudo nas novas plataformas de informação são reedições corrigidas e ampliadas. Os luditas e blasés adoram dizer isso. Portanto, para eles, redes sociais são espécies de “Rotary(s) Clubes” digitais.

Esse tipo de desmistificação é sempre um divertido argumento para brochar os excessivamente excitados mas é quase sempre um álibi intelectual para uma inépcia de entendimento das mudanças de comportamento que estão por detrás dessas “velhas novidades”.

Mas o que me interessa mais nos clubinhos virtuais é uma espécie de panacéia democrática que por ali grassa. Sem querer intelectualizar demais o papo, já é lugar comum dizer que a molecada tem um interesse muito passageiro, para não dizer inexistente, por política. A não ser em momentos de euforia ideológica, como a atualmente em curso no ringue das eleições norte-americanas, ela tem um desprezo absoluto por qualquer lógica majoritária.

É que de fato, essa coisa de submeter-se a qualquer decisão da “maioria”, é frustrante em tempos de liberdade de expressão absoluta e universal, de cauda longa, de morte do direito autoral e etc.

Em nossa democracia, é muito baixa a possibilidade de decidir e intervir. A única delas é o voto, pouco para um exército acostumado a clicar, a escolher tudo a toda hora.

É essa falência do “majoritário” que motiva e apaixona as redes sociais em todas as suas manifestações.

No limite, é como se estivéssemos encubando uma nova ordem mundial em que os humanos se agrupassem em torno de idéias compartilhadas, interesses ou polêmicas comuns, gostos e simpatias antes de geografias, línguas e qualquer outro tipo de aglutinação física.

No limite, as redes sociais configuram os novos “Estados” que trocam o majoritário pela unanimidade. E não há “exclusividade” nem “limite” de “nacionalidades”. Pode-se pertencer ao quantos “países” quisermos, com múltiplas “identidades” até e “desertá-los” quando eles não mais interessarem ou outros mais atraentes surgirem.

Antes de tratar-se de uma utopia, a experiência da nova ordem e sua possibilidade virtual vai corroendo todos os organismos e reinventando as relações sociais irremediavelmente.

* É diretor de Branding, Planejamento e Pesquisa da F/Nazca S&S – falphen@fnazca.com

A Era das Relações

novembro 9th, 2010

por Regiane Macuch*

A sociedade contemporânea está migrando do modelo industrial para um novo modelo denominado sociedade do conhecimento e da informação em rede.

Assim como na revolução industrial, este período, vem se caracterizando por transformações profundas em nosso estilo de vida, em nossa forma de trabalho e em nossas relações com as pessoas. A revolução industrial permitiu ao homem ampliar sua capacidade física, a revolução da informação permite ampliar sua capacidade mental.

Alguns autores denominam o momento atual de Era das Relações, podemos então compreender que o mundo e a vida nada mais são do que uma grande teia de relações e conexões.

No pensamento do novo paradigma, todos os conceitos e teorias estão conectados. Essa visão, nos leva a compreender o mundo como uma rede de relações, onde ocorre a mudança do conhecimento em blocos fixos e imutáveis para o conhecimento em rede.

A era das relações requer novos ambientes de aprendizagem onde a circulação das informações, a construção do conhecimento e o desenvolvimento da compreensão sejam os alicerces para o alcance da sabedoria e da evolução da consciência coletiva.

Uma educação para a era relacional pressupõe um novo momento na história, no sentido da evolução da humanidade que corrija os desequilíbrios, as desigualdades. Uma educação que favoreça a busca de alternativas para se viver e conviver melhor.

A tendência é que a demanda por conhecimento, qualificação, atualização e capacitação continue crescendo intensamente.

Apesar dos novos paradigmas, muitos ambientes educacionais disponíveis não apresentam uma concepção adequada para o processo ensino/aprendizagem, ainda disponibilizando uma metodologia de simples transmissão de informações.

Os ambientes educacionais necessitam ser interativos, com qualidade, de forma que possibilitem aos aprendizes uma participação ativa, que desperte a criatividade e apoie suas aprendizagens.

O ambiente com o qual o aluno interage é determinante em seu processo de aprendizagem. Neste sentido, o professor precisa ter bem claro qual o seu papel nesse ambiente, seja ele presencial ou a distância.

É de crucial importância que os professores se conscientizem a respeito da adequada utilização das novas tecnologias de comunicação e informação, além de estarem atentos às teorias que fundamentam seu trabalho e sua postura profissional.

As Instituições cada vez mais estão migrando do sistema monomodal, educação convencional, para o sistema duomodal, isto é, além de utilizar o processo presencial de sala de aula, incorporam a modalidade a distância suportada principalmente por tecnologias de comunicação e informação de última geração, buscando com isso, tanto um diferencial competitivo como um esforço para atender as novas demandas educacionais.

Nesse novo contexto, o professor precisa aprender a estabelecer e a manter contato à distância com seus alunos, além do contato presencial. Porém, as diferenças entre o contexto educacional presencial e à distância fazem com que o processo de transição de um meio para o outro não seja fácil para o professor.

A espontaneidade é o fator que vai possibilitar o livre trânsito do professor entre os contextos presencial e à distância.

Disponibilizar e garantir o acesso dos professores a essas novas tecnologias é fundamental para o processo educacional, sendo tarefa das instituições educacionais propiciar a formação desse profissional.

* Professora da Universidade Católica do Paraná

Quem paga a música escolhe a dança?

novembro 5th, 2010

por Marisa Lajolo*

“Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso.

Narra as aventuras da turma do sítio de Dona Benta primeiro às voltas com a bicharada da floresta próxima e, depois, com uma comissão do governo encarregada de caçar um rinoceronte fugido de um circo. Nos dois episódios prevalecem o respeito ao leitor, a visão crítica da realidade, o humor fino e inteligente.

Na primeira narrativa, a da caçada da onça, as armas das crianças são improvisadas e na hora agá não funcionam. É apenas graças à esperteza e inventividade dos meninos que eles conseguem matar a onça e arrastá-la até a casa do sítio. A morte da onça provoca revolta nos bichos da floresta e eles planejam vingança numa assembléia muito divertida : felinos ferozes invadem o sítio e –de novo- é apenas graças à inventividade e esperteza das crianças (particularmente de Emília) que as pessoas escapam de virar comida de onça.

Na segunda narrativa, a fuga de um rinoceronte de um circo e seu refúgio no sítio de dona Benta leva para lá a Comissão que o governo encarregou de lidar com a questão. Os moradores do sítio desmascaram a corrupção e o corpo mole da comissão, aliam-se ao animal cioso da liberdade conquistada e espantam seus proprietários. E, batizado Quindim, o rinoceronte fica para sempre incorporado às aventuras dos picapauzinhos.

Estas histórias constituem o enredo do livro que parecer recente do Conselho Nacional de Educação (CNE), a partir de denúncia recebida, quer proibir de integrar acervos com os quais programas governamentais compram livros para bibliotecas escolares . O CNE acredita que o livro veicula conteúdo racista e preconceituoso e que os professores não têm competência para lidar com tais questões. Os argumentos que fundamentam as acusações de racismo e preconceito são expressões pelas quais Tia Nastácia é referida no livro, bem como a menção à África como lugar de origem de animais ferozes.

Sabe-se hoje que diferentes leitores interpretam um mesmo texto de maneiras diferentes. Uns podem morrer de medo de uma cena que outros acham engraçada. Alguns podem sentir-se profundamente tocados por passagens que deixam outros impassíveis. Para ficar num exemplo brasileiro já clássico, uns acham que Capitu (Dom Casmurro, Machado de Assis, 1900) traiu mesmo o marido, e outros acham que não traiu, que o adultério foi fruto da mente de Bentinho. Outros ainda acham que Bentinho é que namorou Escobar…!

É um grande avanço nos estudos literários esta noção mais aberta do que se passa na cabeça do leitor quando seus olhos estão num livro. Ela se fundamenta no pressuposto segundo o qual, dependendo da vida que teve e que tem, daquilo em que acredita ou desacredita, da situação na qual lê o que lê, cada um entende uma história de um jeito. Mas essa liberdade do leitor vive sofrendo atropelamentos. De vez em quando, educadores de todas as instâncias – da sala de aula ao Ministério de Educação – manifestam desconfiança da capacidade de os leitores se posicionarem de forma correta face ao que lêem.
Infelizmente, estamos vivendo um desses momentos.

Como os antigos diziam que quem paga a música escolhe a dança, talvez se acredite hoje ser correto que quem paga o livro escolha a leitura que dele se vai fazer. A situação atual tem sua (triste) caricatura no lobo de Chapeuzinho Vermelho que não é mais abatido pelos caçadores, e pela dona Chica-ca que não mais atira um pau no gato-to. Muda-se o final da história e re-escreve-se a letra da música porque se acredita que leitores e ouvintes sairão dos livros e das canções abatendo lobos e caindo de pau em bichanos . Trata-se de uma idéia pobre, precária e incorreta que além de considerar as crianças como tontas, desconsidera a função simbólica da cultura.

Para ficar em um exemplo clássico, a psicanálise e os estudos literários ensinam que a madrasta malvada de contos de fada não desenvolve hostilidade conta a nova mulher do papai, mas – ao contrário- pode ajudar a criança a não se sentir muito culpada nos momentos em que odeia a mamãe, verdadeira ou adotiva…

Não deixa de ser curioso notar que esta pasteurização pretendida para os livros infantis e juvenis coincide com o lamento geral – de novo, da sala de aula ao Ministério da Educação—pela precariedade da leitura praticada na sociedade brasileira. Mas, como quem tem caneta de assinar cheques e de encaminhar leis tem o poder de veto, ao invés de refletir e discutir, a autoridade veta . E veta porque, no melhor dos casos e muitas vezes com a melhor das intenções, estende suas reações a certos livros a um numeroso e anônimo universo de leitores . . .

No caso deste veto a “Caçadas de Pedrinho”, a Conselheira Relatora Nilma Lino Gomes acolhe denúncia de Antonio Gomes da Costa Neto que entende como manifestação de preconceito e intolerância de maneira mais específica a personagem feminina e negra Tia Anastácia e as referências aos personagens animais tais como urubu, macaco e feras africanas ; (…) aponta menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano , que se repete em vários trechos do livro analisado e exige da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura.

Independentemente do imenso equívoco em que, de meu ponto de vista, incorrem o denunciante e o CNE que aprova por unanimidade o parecer da relatora, o episódio torna-se assustador pelo que endossa, anuncia e recomenda de patrulhamento da leitura na escola brasileira. A nota exigida transforma livros em produtos de botica, que devem circular acompanhados de bula com instruções de uso.

O que a nota exigida deve explicar? o que significa esclarecer ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos na literatura ? A quem deve a editora encomendar a nota explicativa? Qual seria o conteúdo da nota solicitada ? A nota deve fazer uma auto-crítica ( autoral, editorial ? ), assumindo que o livro contém estereótipos? a nota deve informar ao leitor que “Caçadas de Pedrinho” é um livro racista? Quem decidirá se a nota explicativa cumpre efetivamente o esclarecimento exigido pelo MEC?

As questões poderiam se multiplicar. Mas não vale a pena. O panorama que a multiplicação das questões delineia é por demais sinistro. Como fecho destas melancólicas maltraçadas aponte-se que qualquer nota no sentido solicitado – independente da denominação que venha a receber, do estilo em que seja redigida, e da autoria que assumir- será um desastre. Dará sinal verde para uma literatura autoritariamente auto-amordaçada. E este modelito da mordaça de agora talvez seja mais pernicioso do que a ostensiva queima de livros em praça pública, número medonho mas que de vez em quando entra em cartaz na história desta nossa Pátria amada idolatrada salve salve. E salve-se quem puder… pois desta vez a censura não quer determinar apenas o que se pode ou não se pode ler, mas é mais sutil, determinando como se deve ler o que se lê!

* Prof.Titular (aposentada) da UNICAMP; Prof. da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Pequisadora Senior do CNPq.; Ex Secretária de Educação de Atibaia (SP); Organizadora (com João Luís Ceccantini) do livro de Monteiro Lobato livro a livro (obra infantil), obra que recebeu o Prêmio Jabuti 2009 como melhor livro de Não Ficção.

O falso feminismo de silicone

agosto 31st, 2010

por Sergio Domingues

É costume dizer que o feminismo está morto. As mulheres teriam conquistado seu lugar ao sol. É maioria entre os trabalhadores, consumidores e eleitores. Há mulheres no parlamento e nos governos. Podem ser vista à frente de grandes empresas.

Quase tudo nessas afirmações é aparência. As mulheres são maioria no mercado de trabalho, mas de forma desigual. A maior parte dos postos de direção e gerência é ocupada por homens. Assim mesmo, os salários são sempre menores para elas.

No Congresso Nacional, parlamentos em geral e governos a visibilidade acontece exatamente porque a presença feminina continua rara. Nada rara é sua exposição como objetos em tudo isso. “Elas enfeitam o cenário”, dizem os machistas, que continuam na direção do espetáculo.
Não à toa o Brasil é um dos líderes mundiais em cirurgias plásticas.

Cerca de 70% delas são de caráter estético. Mais de 80% feitas em mulheres. Nos Estados Unidos e Europa, começa a fazer sucesso a labioplastia. Uma intervenção cirúrgica nos lábios vaginais. Grande parte delas nada tem a ver com correções necessárias à saúde.

É o novo machismo travestido de feminismo. Beleza e sensualidade seriam direitos conquistados pelas “mulheres emancipadas”. Além de cuidar da casa, dos filhos e ser competente na profissão, elas também têm que atender exigências impostas pelo mercado erótico.

Se isso pode ser massacrante para quem tem algum dinheiro, imagine para a grande maioria. Aquelas que mal conseguem comprar roupas novas.

Mulheres que denunciam essa situação são consideradas amargas, ressentidas, chatas. “Deixem disso” dizem os meios de comunicação. “Corram para os cirurgiões, cabeleireiros e liquidações. Rendam-se ao silicone e às próteses”. É o machismo cirurgicamente renovado pelos poderosos.

Princesas cor-de-rosa

agosto 31st, 2010

*Mirian Goldenberg

O rosa, imposto desde o berço, simbolizaria o culto da aparência no lugar da
inteligência?

A MONOCROMIA impera nas roupas e nos brinquedos das meninas. Basta observar em parques, praias, shoppings, escolas: o cor-de-rosa reina no universo infantil feminino.

O rosa não é só a cor das Barbies, mas também de vestidos, camisetas, biquínis, mochilas, sapatos, pulseiras, bicicletas, cadernos, lençóis, fantasias de princesa etc.

Enquanto as meninas estão de rosa da cabeça aos pés, os meninos vestem azul, verde, amarelo, vermelho, preto, cinza, laranja, branco e, até, algumas vezes, rosa.

Eles não são apenas mais livres no uso de cores, mas correm, brincam, gritam, jogam, se sujam e se machucam muito mais do que elas.

No comércio há uma invasão, nunca vista anteriormente, de produtos cor-de-rosa. Muitas mães afirmam que há uma ditadura do rosa, que as filhas acabam ficando viciadas nessa cor. Não há escolha para as que gostariam de mais diversidade.

No blog PinkStinks, duas mães inglesas declararam guerra ao que chamam de “pinkification” das meninas: a onipresença da cor rosa.

Elas acreditam que o fenômeno vai muito além da cor.

Dizem que a cultura do rosa, imposta às meninas desde o berço, é baseada no culto da beleza, do corpo, da aparência, da magreza, em detrimento da inteligência.

Apesar de parecer inofensivo, dizem, o rosa simboliza a cultura da celebridade, fama, riqueza e da obsessão pela imagem, que aprisiona e limita as aspirações das meninas sobre o que podem ser e realizar quando se tornarem mulheres.

O rosa, para elas, representa um retrocesso, o retorno de um modelo feminino que parecia ter sido abolido nos anos 1970 pelas mulheres que desejavam ser livres, independentes, fortes, poderosas, sexualmente ativas e donas do próprio corpo.

A comparação entre as cores e as brincadeiras de meninos e meninas sugere que faltará a elas, quando adultas, algo fundamental: liberdade.

Liberdade que, na minha pesquisa com cariocas das classes médias, elas afirmam invejar nos homens. Já eles dizem não invejar absolutamente nada nas mulheres.

Se a roupa fala da nossa cultura, o que o rosa diz sobre as futuras mulheres? Estaria falando de uma cultura que associa mulher a delicadeza, doçura, sensibilidade, inocência, fragilidade, fraqueza, passividade, inferioridade, submissão? De mulheres infantis e dependentes, que precisam da proteção de príncipes? Da dominação que transforma garotas superpoderosas em princesas cor-de-rosa?

*Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ao alcance de um mouse: o Orkut, o facismo e o descarte do ser humano

agosto 22nd, 2010

por Ana Veloso*

“Tolerar a existência do outro, e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância”. (José Saramago)

A profusão de comunidades que atacam os nordestinos no Orkut faz pensar. Assim como as comunidades dos “adeptos do estupro corretivo”, causa repulsa, revolta e estranhamento. A oferta das possibilidades tecnológicas de tais redes sociais não pode ser classificada de forma simplista como boa ou má. A técnica pela técnica, o mero aparato, tem ideologia?

Não podemos observar os fenômenos comunicacionais e tecnológicos separados dos contextos históricos, políticos, culturais e sociais onde estão inseridos. O ser desumano é a desmedida de todas as coisas. De forma vil, se apropria de tudo e de todos como objetos para consumo. Como se os outros, os humanos, os “descartáveis”, não pudessem ter a liberdade para ser, viver, existir.

Quando denunciamos a conexão entre os/as que se identificam pelo desejo de exterminar os nordestinos ou dos/as que celebram o “estupro corretivo de lésbicas”, e fazem suas manifestações criminosas via internet, observamos a instrumentalização de uma ferramenta para a violação dos direitos humanos. Isso não é nenhuma novidade uma sociedade que lançou a bomba atômica. “Os fins justificam os meios” (Maquiavel).

O primeiro fenômeno foi intensificado, recentemente, depois da catástrofe que dizimou centenas de vidas em Alagoas e Pernambuco. O segundo existe há muito tempo, tendo sido publicizado, inclusive, por representantes da ONU. Uma análise dos discursos dos/as pertencentes a esses “grupos” revela um teor tão intenso de violência que chega a causar descentramento, sobretudo diante do que compartilhamos como sentimento de pertencimento à humanidade. “O inferno são os outros” (Sartre).

“O exercício da liberdade de expressão não pode violar outros direitos humanos”. De qual tipo de “liberdade” estamos tratando? Certamente, não daquela que eleva a alma. Da que desenvolve o ser e o impulsiona à vida, à contemplação da natureza e à arte. Falamos de um sentido de liberdade que os/as participantes desses espaços virtuais ignoram. Sob a égide da opressão/dominação não é possível conceber a essência da liberdade.

As posições, os termos e a forma de pensar e agir dos que estão envolvidos nestes guetos exprimem o facismo presente em nosso cotidiano. Quando tratamos do tema, de modo sério e responsável, muitos/as saem em defesa dos/as que compactuam com esse absurdo. Já ouvi: “são jovens brincando”, “faz parte da liberdade na internet ”, “restringir é censurar”.

Até quando, tais argumentos irão dissimular a verdade? Quem prega o separatismo, a xenofobia, o racismo e os crimes de ódio coloca combustível nas engrenagens que movem a barbárie em todo o mundo. É por isso que a mecanização da vida e o descarte do ser humano são, hoje, divulgados sem o menor pudor para quem estiver “conectado/a”. Assim como a exploração sexual comercial virtual de crianças e adolescentes, são delitos que, no Brasil, estão ao alcance de um mouse.

* Jornalista, professora de jornalismo da UNICAP, colaboradora do Centro das Mulheres do Cabo, doutoranda em Comunicação pela UFPE e empreendedora social Ashoka