Lícia Peres*
A estátua de Brizola colocada em frente à Praça da Matriz lembrando o Movimento da Legalidade , de onde comandou, em 1961, a resistência que impediu o golpe contra o então presidente João Goulart nos remete, também, aos seus valiosos ensinamentos.
Brizola formulava um grande destino para o nosso país, em sua preocupação com as crianças, com a situação de discriminação das mulheres e dos negros, com os trabalhadores brasileiros e a defesa de um modelo de desenvolvimento capaz de incorporar a grande massa de excluídos.
Uma questão atual é a dos rolezinhos, em que jovens da periferia se reúnem nos shoppings em busca, até prova em contrário, de diversão e lazer. Sabemos da atração, estimulada pelo próprio comércio, que esses espaços exercem na juventude, independente de sua condição social.
Cogita-se agora em proibir a presença dos grupos cuja aparência sinalize baixo poder aquisitivo. A avaliação é preconceituosa e baseada em pura subjetividade. E daí, se não puderem adquirir produtos, estão impedidos também de frequentar o local? Consagra-se o apartheid social?
Lembro das dificuldades enfrentadas pelo governador Leonel Brizola para democratizar o espaço urbano no Rio de Janeiro.
Herdeiro de uma herança, de décadas, em que o Rio de Janeiro era concebido como “cartão-postal” do Brasil, Brizola não cedeu nos seus princípios. A exclusividade dos espaços “nobres” da cidade para a população abastada significava manter os moradores dos morros afastados dessas áreas. Estes deveriam descer à cidade apenas para realizar seu trabalho, sendo-lhes vedada a fruição dos parques, das praias, dos belos logradouros.
Para tal, havia a determinação arbitrária da prisão por vadiagem, ou seja, uma pessoa “suspeita” pela aparência de pobreza era logo abordada pela polícia para intimidá-la, desestimulando-a a descer do morro para qualquer atividade de lazer. Na prática era o confinamento.
Ao vencer as eleições em 1982 e assumir o governo do Rio de Janeiro, uma das mais importantes determinações de Brizola foi a de que ninguém poderia ser preso, a não ser em flagrante delito. Democratizava-se, assim, o espaço urbano, garantido o direito de ir e vir.
Cabe lembrar que a violência policial, no Estado autoritário, antes da promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, tinha como prática sistemática a violência contra os pobres. A polícia subia ao morro a qualquer hora. Brizola proibiu a invasão de domicílio sem autorização. E ele foi mais além. Tomou medidas para que as praias, apropriadas exclusivamente pelas classes de maior poder aquisitivo, fossem também acessíveis aos mais pobres, providenciando linhas de ônibus que transportassem os moradores das favelas às praias, para possibilitar a todos, independentemente de classe, a fruição dos bens da natureza. Houve muitas reações contrárias daqueles que não aceitavam sequer compartilhar o mesmo espaço com a pobreza, adjetivada como “feia” e “sem modos”.
Brizola, entre tantas realizações, deixa uma marca que, mais do que nunca, merece ser lembrada: a do defensor da justiça social e dos direitos humanos.
* Socióloga