Lícia Peres*
ZH06.04.2013. O Conselho Federal de Medicina, órgão que reúne 400 mil médicos em todo o país e regula a sua atividade profissional, manifestou posição a favor da autonomia das mulheres de interromper a gravidez até o 3º mês de gestação, ampliando os casos onde o aborto é permitido.
O assunto está sendo debatido no marco de uma reforma do Código Penal onde o aborto é criminalizado, excetuados os casos de gravidez resultante de estupro e risco de morte para a gestante . Mais recentemente foi incluída a permissão para os casos de anencefalia. Trata-se de uma legislação bastante restritiva que vai na contramão dos países mais avançados onde a legalização do aborto representou menor mortalidade materna e mais saúde para a população feminina.
É bastante significativa e precisa ser considerada a opinião dos representantes de uma classe de profissionais que convive cotidianamente com as sequelas e mortes de um gigantesco número de mulheres que recorrem ao aborto em condições precárias, justamente devido à ilegalidade.
O fato de a clandestinidade levar as mulheres, particularmente as pobres, a arriscar suas vidas quando se sentem impossibilitadas de levar adiante a gravidez, exige uma imediata reação à visão punitiva. Criminalizar jamais será a solução.
É importante destacar que a luta das mulheres brasileiras pela legalização do aborto nunca foi sinônimo de “ liberou geral”. Sempre defendemos uma normatização, jamais sua utilização como método contraceptivo, e um amplo programa de planejamento familiar, com métodos e acompanhamento para evitar a gravidez indesejada. Mas, sabemos que os métodos podem falhar e nem por isso as mulheres devem pagar com suas vidas.
É uma questão que afeta o mundo onde 42 milhões de abortos provocados ocorrem anualmente.
A estimativa no Brasil é de 1 milhão por ano; 11% do total de mortes maternas são causadas pela insegurança do procedimento. É a 5ª causa de morte. São mulheres jovens, em idade reprodutiva,que muitas vezes deixam na orfandade os outros filhos e a família destroçada.
A ofensiva se re inicia, com as bancadas dos parlamentares fundamentalistas unindo-se para barrar qualquer avanço. Alvoroçam-se na convocação de atos públicos e é ilusória a possibilidade de dissuadi-las com qualquer argumento. Não há racionalidade possível, nem discussão razoável. Inútil argumentar que o estado brasileiro é laico e que suas crenças pessoais deveriam restringir-se às suas vidas privadas.
O obscurantismo, as visões medievais, aquelas mesmas que condenaram Galileu e que queimaram mulheres e livros, abrem guerra contra o direito e a autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas. Não querem protegê-las, buscam controlá-las.
Os movimentos organizados de mulheres dentro dos partidos, têm um papel importante: posicionar-se urgentemente para pressionar e influenciar os parlamentares para que decidam a favor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Espero que a opinião pública, esclarecida, se manifeste para que a mudança que já tarda não chegue tarde demais para as mulheres.
* Socióloga