Lícia Peres*
A sociedade gaúcha está chocada com o crime da Tristeza onde uma família, aparentemente feliz e com boa situação financeira, foi destroçada. A descoberta de que o bioquímico Ênio Carnetti seja o autor do duplo homicídio- o de sua mulher Márcia e do único filho do casal, Matheus, de cinco anos- causa perplexidade. Após o brutal crime ,Ênio tentou suicídio atirando-se da ponte do Guaíba, onde foi resgatado por pescadores.
O elemento perturbador em casos como este é a ocorrência de uma identificação das pessoas com este tipo de núcleo familiar, com todos os indicadores exteriores de que seria “normal”, ou seja, uma família como qualquer outra de classe média.
Ao acompanhar o caso, eu procurava um elemento presente em todos os casos de violência doméstica : a pista dada pelo agressor de que algo mais grave poderia ocorrer. No referido caso foram as ameaças ouvidas pela empregada da casa e relatada pela própria vítima aos colegas de trabalho. Pelo visto, não foram levadas a sério.
É necessário alertar para aquilo que nós, do movimento de mulheres, vimos fazendo há muito tempo: a ameaça é um indicador importante , assim como agressões verbais e outros tipos de violência. Dificilmente o homicídio é o primeiro e último gesto. Em razão disso, quando ameaçada , a mulher tem que acreditar que algo mais sério pode ocorrer e denunciar. Essa atitude pode prevenir o pior. A inação, muitas vezes leva à morte.
No que respeita à violência de gênero, sabemos que ela ocorre em todas as classes sociais.
Uma das melhores campanhas feitas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher continha fotos de homens bem vestidos e de boa aparência em torno de uma mesa e a pergunta : você desconfiaria de que ele é um agressor? Pois, é. A campanha não usou fotos masculinas esterotipadas demonstrando hostilidade , ou sinais de agressividade . Pelo contrário, mostrou que a violência pode não se expressar no convívio social, nem nas aparências.
Hoje a Lei Maria da Penha é bastante completa ao abranger todas as formas de violência doméstica e familiar, respaldando as mulheres através de medidas protetivas que incluem a retirada do agressor do ambiente doméstico .
Ao ignorar as ameaças, a mulher pode se tornar a próxima vítima.
*socióloga