por Maria Berenice Dias*
Todas as pessoas querem acreditar que o amor é para sempre. Todavia, ele é infinito enquanto dura. Quando acaba só tem um jeito. Terminar um casamento implica definir direitos e deveres com relação aos filhos e partilhar bens. Esta é a única maneira de preservar o direito à felicidade.
Mesmo assim, injustificavelmente, o estado resiste em permitir que as pessoas acabem com as relações de casamento. Houve um tempo que o matrimônio era indissolúvel: até que a morte os separe! Mesmo com a Lei do Divórcio, a imposição de prazos, a identificação de culpados e a necessidade de um duplo procedimento persistem. Embora haja, é preciso primeiro separar para depois converter a separação em divórcio, e isso em conseqüência do decurso de um ano. Existe, no entanto, a possibilidade de obter o divórcio direto depois de dois anos da separação de fato. Dessa maneira, ninguém consegue casar outra vez antes de tais prazos. Poderá sim viver em união estável, mas não poderá convertê-la em casamento.
As pessoas são livres para casar, mas não para por fim ao casamento ou casar novamente. Estas verdadeiras cláusulas de barreira são impostas sem sequer questionar a existência de filhos ou interesses de ordem patrimonial.
Quando este nem é o desejo dos cônjuges, a quem interessa a mantença dessa união? Será que ainda se acredita que, como a família é a base da sociedade, ela se desfaz; renasce com outro formato; reconfigura-se com novos partícipes?
O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, para acabar com este verdadeiro calvário, apresentou o projeto que se transformou na Proposta de Emenda Constitucional nº 413-C, a chamada PEC do Divórcio. Ela acaba com a separação, permanecendo o divórcio como a única forma de dissolver a sociedade conjugal, sem identificação de culpados e a necessidade de adimplemento de prazos.
Esta é, com certeza, a única forma de assegurar o respeito a um punhado de princípios constitucionais. Obrigar alguém a permanecer casado afronta o respeito à dignidade humana, o direito à liberdade, à convivência familiar e – às claras – o direito fundamental à afetividade.
Atentar a um fato, no entanto, é imperioso. Prejudica especialmente a mulher e os filhos a necessidade de esperar que flua um lapso temporal desde o fim da vida em comum até a chancela estatal do término da união. Quando da separação é a mulher que permanece com a guarda dos filhos e geralmente o homem fica na administração do patrimônio. São garantidos direitos e identificadas responsabilidade de ordem pessoal e patrimonial, quase sempre, por ocasião do divórcio que ocorre a imposição de deveres.
Até serem fixados alimentos e partilhados os bens, portanto, o marido é beneficiado com a perenização do estado de indefinição. Ele pode, enquanto isso, dispor livremente do patrimônio comum. Quando finalmente o divórcio se torna possível, muitas vezes não há mais vestígios dos bens e nem o encargo alimentar atende ao critério da proporcionalidade. Tudo foi consumido, vendido ou desviado. Ou seja, a mulher fica com os ônus e o homem com os bônus.
Atentando a esta realidade talvez seja possível identificar a quem interessa as coisas ficarem como estão. É possível serem estes os motivos que estejam a impedir a imediata aprovação da PEC do divórcio, que, ao contrário, deveria ser chamada de PEC do casamento. Afinal, só depois do divórcio é que as pessoas podem casar de novo.
É necessário, mais uma vez, que as mulheres se mobilizem para evitar que se perpetuem os enormes prejuízos decorrentes da indefinição patrimonial gerada pela injustificável resistência em chancelar o fim do vínculo afetivo.
A dignidade feminina acaba sendo afrontada com a tentativa de manutenção do casamento.
* Advogada e Vice-Presidente Nacional do IBDFAM – www.mariaberenice.com.br